Cabo do Exército (06 de junho de 1983)

Foram muitos anos. Foi em 1943. Eu me encontrava servindo o Exército. Tinha a graduação de Cabo. Havia um curso geral de Transmissões, que me habilitava ao grau de 2º. Sargento. Executava funções que tais, assim era considerado, mas não havia na ocasião sido ainda promovido, por falta de vaga. O que vale dizer, operava como Sargento e recebia como Cabo.

Fôra designado para ministrar aulas de comunicações radiotelefônicas aos pelotões de transmissões de duas companhias de fuzileiros. No Exército, quem leciona não é professor. É monitor. Eu era monitor.

Era uma segunda-feira. Sol escaldante. Eu havia recebido simplesmente a ordem de ensinar. Nenhum programa, nenhum currículo, nenhum diagrama. Cabia-me, então, aquilatar até que ponto os soldados haviam progredido ou estacionado nos estudos daquela área, para poder ministrar o temário improvisado e a meu bel escolher. Era assim.

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Apresentei-me ao comandante de uma das companhias para a qual eu fora designado. Este encaminhou-me ao Tenente comandante do Pelotão. O oficial apresentou-me à tropa e se mandou, ao saber que minha primeira aula terminaria momentos antes do rancho (almoço).

Inexperiente, com divisas de Cabo, teria que ministrar aulas inclusive ao sub-comandante do Pelotão, que era primeiro Sargento. Procurei não ficar apavorado (no Exército diz-se “afobado”). Pensei um pouco e como não existia sala de aula e sim apenas o pátio ensolarado, tomei a iniciativa que se me pareceu mais acertada.

Determinei aos soldados, todos, que sentassem no chão, formando um círculo ao meu redor. Assim eu ficaria no centro, em pé. Poderia ver a todos e conversar à vontade, com todos os olhares convergindo para mim. Deu resultado, além do esperado, pois eu podia ver diretamente a todos e todos eles eram obrigados a mirar-me diretamente também.

Depois de um bate-papo informal, procurei identificar-me e deixar o pessoal à vontade, consistindo nisso a primeira aula daquela turma, para o ensino “prá valer” nos dias imediatos.

Faltavam alguns minutos para o toque de chamada para o rancho, quando o Tenente comandante do Pelotão se aproximou. Foi informado por mim e pelo sub-comandante e parece que ficou satisfeito – eu não fiquei sabendo se sua satisfação fôra pelo aproveitamento aparente ou pela ‘molesa’ que ele encontrou, deixando sua tropa.

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No rancho, todos entraram em forma (fila), para pegar a bóia e procuravam acomodar-se no chão, sentados ou de cócoras, para comer. Findo o almoço, o Tenente confidenciou-me:

- Cabo véio (é um termo militar carinhoso), quando vi você em pé, toda a soldadaiada sentada em seu redor, não resisti ao pensamento de ter visto um pagé na roda... (riu).

Ri, sem graça, mesmo porque o inferior sempre ri de qualquer piada do superior.

Respondi:

- Certo, meu Tenente... eu era de fato um pagé... mas estava pregando, estava ensinando e ninguém me contestava, nem mesmo aqueles que poderiam não botar fé no que eu dizia... porque eu era a única autoridade com credencial e capacidade para dominar a todos...
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Lembrei desse fato por causa da televisão. Vi a tevê mostrando o Ministro Delfim. E ele falou. Então lembrei do caso citado. Hoje o Delfim é o Cabo monitor e a soldadaiada toda, que ouve sem entender e sem contestar, somos nós, é o zé povinho...

Extraído do Correio de Marília de 06 de junho de 1983

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