A maioria não (22 de maio de 1983)

Deus fez o mundo em seis dias. No sétimo, descansou, após concluída a grande tarefa.

Hoje é domingo, dia de descanso. Para a maioria. Há os que não descansam, que estão no batente, por questões obvias e atinentes de deveres próprios.

A maioria, não. A maioria não agarra hoje. Não trampa, como dizem os giriomaniacos.

Mas há uma outra maioria. Essa, a que consegue descansar de segunda a domingo, de janeiro a dezembro, ininterruptamente. Esse só engana que trabalha. E que, indiscutivelmente, vive melhor, bem melhor, do que os que trabalham no duro, de sol a sol, de segunda a domingo, de janeiro a dezembro.

Como é dia descanso, coluna descansa do rotineiro, de sua linha habitual, de sua conduta normal.

Nada de citar-se as altas de preços, as elevações do custo da gasolina. Nada de comentar as teorias do Ministro Delfim Neto, sua numerologia equacional, aquela que sem solução equacionatória para o zé povinho.

Zé povinho vai assistir futebol hoje. Santos e Mengo, dois dos bons de bola. Escriba, firme na paçoca, torcendo para o Peixe, mesmo porque não sintoniza bem com a máscara da gente da cariocolandia.

Certo Zico é bom. Mas Serginho é melhor. Mengo é time grande, mas Santos é time igualmente grande e igualmente importante.

São onze a onze, no Morumbizão.

Hoje é domingo, dia de descanso. Deus fez o mundo e descansou. Será que o Criador teria conjecturado de que o mundo, depois de 1983 anos do nascimento de Cristo, iria ser assim?

Que o Governo líbio iria exigir do Governo brasileiro o retorno de armas nos aviões que invadiram o território tupiniquim, pura e simplesmente como se fôra um Napoleão do passado ou um Hitler contemporâneo?

Teria conjecturado o Criador que nesta época de cerca de dois milênios do nascimento de Jesus, haveriam Delfins, Cals, Andreazzas, Shigeakis, Pennas, Stábiles e outros bichinhos que tais?

Hoje é domingo, dia de descanso. Porisso, coluna descansa também e não vai se preocupar com nada de nadinha. Nem com os 130% de aumento nas mensalidades das casas populares. Bóta popularidade nisso.

Nem siquer coluna vai abordar o infamante assunto e a benevolência medida, que concedeu aos aposentados parlamentares um aumentozinho de 1.113% em seus vencimentos polpudos, gratificantes, bojudos e generosamente legais.

Nada se contenta, nada se fomenta, nada se enfoca. Mesmo porque todos esses desmandos decorrem de providencia ou medida parlamentar. O que é sem sombra de duvida para lamentar!

Deus criou o mundo em seis dias, descansou no sétimo. É a história. Sacra história. Bíblica história. Evangélica história.

Os norte-americanos pintam as caras dos índios com barro. Adão foi feito de barro, para os pessepistas, que ainda estão aí, nada A de mar de Barros. Também é história. E estória.

Adão feito de barro. Eva manufaturada de uma costela de Adão. Eva, a única criatura sem umbigo. Ela não teve qualquer ligação via cordão umbilical.

Hoje é domingo. Dia de descanso. Nada se fale sobre os problemas brasileiros. Mesmo porque são muitos. Mesmo porque eles, os problemas, se resolvem com cifras, números e teorias. Não faz o jogo do escriba. Nem dos brasileiros em geral.

Para isso dispomos do Delfim. De mau fim.

Então, fim.

Extraído do Correio de Marília de 22 de maio de 1983

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