A emoção da primeira vez numa redação de jornal (21 de maio de 1983)
Quando, pela primeira vez, fui ter à redação de um
jornal, minha emoção se irradiava com a mais absoluta certeza. A expectativa
transpirava, mesclada de um certo temor e enorme ansiedade. Levava na mão duas
colaborações manuscritas: o fragmento de um miniconto, eivado de um péssimo
humorismo e um poema em sextilha – todo calouro em jornalismo ou literatura
gosta de escrever poemas e poesias líricas.
Seo Eloy era o redator-chefe, o repórter, o revisor,
o diagramador do jornal. Tinha que ser um eclético, porque o proprietário do
hebdomadário tinha outras atividades e naquele tempo, ser dono de jornal era
apenas um “status”, somente que mais elevado e mais dignificante do que ser
proprietário de um barra ou um empório.
Pediu-me que deixasse os originais, pois ele estava
muito ocupado. Que passasse dias após, para saber o que ele pensaria dos
escritos. Agradeci, com um sorriso amarelo, e saí.
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Dois dias após, voltei ao jornal. Seo Eloy me
recebeu de modo diferente. Mais acessível do que da ocasião anterior. Disse que
o miniconto era fraco, mas aceitável. Que o poema tinha dois pés quebrados e
precisava ser reformado. E passou a palestrar comigo, ele que era sizudo e
bastante fechado. “Você vai ter que gastar muitos lápis, até aprender a
escrever. Seu português não é dos piores e a ideia dá para pegar. Falta
prática, tarimba. Falta escola da vida. Na escola da vida a gente aprende
filosofia diferente daquela que se ensina nas escolas e nas faculdades...”.
Gravei e guardei. Sempre observo e sinto isso.
Considero-me bem bagageado de filosofia da escola da vida. E vejo, geralmente,
que as pessoas mais idosas e mais sofridas na vida, são detentoras de maior
dose dessa filosofia. Parece que “envergam” mais, que “pressentem” mais, que
“analisam” mais do que o comum. Uma espécie de um outro sentido. Coisa assim,
mais ou menos. É só observar e constatar.
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Dias outro palestrei com um caboclo. Me pareceu
analfabeto, mas não perguntei se o era. Sofrido, vivido. Contou-me sua odisseia
de emigrante do Estado da Paraíba para Minas e de Minas para Barretos, passando
por Jaú e indo para o Paraná, para regressar e fixar-se na região de Lins e
Marília. Falando compassadamente, percebendo-se que “estuda” o que vai dizer.
Seu dialogo, desprezando-se os erros de vernáculo e a deturpação de
substantivos, tornou-se-me agradável.
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Vejam que espécie de raciocínio demonstrou, ao
referir-se a conjuntura atual (de maio de
1983):
As casas próprias do BNH fazem parte da
responsabilidade do esvaziamento das lavouras. Enganam pelas aparências. Os
trabalhadores rurais mudam para a cidade, iludidos com o lar próprio. Ganham
pouco, passam necessidades, mas habituam-se à vida que mudaram e nunca mais se
decidirão a voltar para a roça.
Muitos fazendeiros desestimulam os trabalhadores,
cobrando-lhes alugueis, lenha, luz e até o livro de leite.
A assistência médica para os agricultores é muito
falha, muito difícil de se conseguir e, quando se consegue, os que servem os
roceiros parece que estão prestando santos favores, como se os trabalhadores
pudessem ser seres humanos desprezíveis ou diferentes.
O próprio Governo é um grande comerciante. Ele visa
lucros, só lucros. O imposto dos cigarros é uma prova. A parte maior do
dinheiro das loterias é outra. Sobe o preço de tudo o que é do Governo muitas
vezes por ano. Por isso o Governo não tem forças e nem meios para evitar essa
inflação, que está aniquilando os brasileiros e está levando o Brasil ao caos,
pois os exemplos de lucros partem dele...
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