Ossos do ofício, ainda (25 de outubro de 1974)


Comentei em artigo anterior (24/10/1974), motivos relacionados com aquilo que se convencionou chamar de “ossos do ofício”: as adversidades e o inesperado, que se chocam com a execução de atividades profissionais, constituindo o mesmo que um ônus inevitável da própria profissão.

--:--

Por certo, não poderia constituir exceção à regra a função jornalística, que, além dos “ossos”, tem também seus “espinhos”.

--:--

Para quem se dispõe manter uma coluna diária em jornal e quando essa coluna ultrapassou o tempo de vida do paralelo de “bodas de prata”, como é o caso de “De Antena e Binóculo”, muitos  “ossos” foram já “roídos” e “triturados” nesse longo espaço-tempo.

--:--

O jornalista, tal como o ator, trabalhando em função de um grande público, não poderia, por certo, agradar indistinta e incondicionalmente a assirios e caldeus. Se critiva, ouve cânticos dos céus por parte dos que harmonizam análogos pensamentos. Mas, em compensação, sente cantilenas do inferno, por parte daqueles que criticados foram.

--:--

Após a leitura de um trabalho jornalístico ou literário, comprovando que em cada cabeça há uma sentença, os leitores fazem julgamentos próprios ou criam versões pessoais, o que ;e válido e certo, pois que ninguém teria condições de cercear a maneira de pensar dos semelhantes, nem mesmo em países de regimes totalitários – embora em tais locais os pensamentos não possam ser exteriorizados com a mesma frequência, garantias e facilidades como entre nós.

--:--

Além desse tipo de  “ossos do ofício”, um outro, igualmente “duro”, que se antepõe a quem escreve diariamente, caracteriza-se pela falta de inspiração.

Faltando essa condição, o escriba fica no mato sem cachorro e sem farofa.

E isso acontece, vez por outra, o que é natural.

Tem dias em que a gente senta defronte à máquina de escrever, chama a inspiração e esta não se dispõe a atender. Rebusca-se a “cachola” e nada se encontra.

Mas a coluna tem que ser escrita, tem que “sair”.

--:--

O leitor não se interessa e nem quer saber se o escriba está ou não inspirado, se tem ou não capacidade para manter por mais de vinte e cinco anos seguidos, uma coluna diária em jornal. Ele paga a assinatura para ler o jornal, para ser informado, para conhecer opiniões.

Ele está certo. Está no seu legítimo direito.

--:--

O editor responsável também não quer saber se o redator tem ou não inspiração. Se existe ou não motivação para o escriba desenvolver.

Ele quer a matéria escrita. Matéria que se coadune com o espírito norteador da coluna. Para isso, ele paga. Por isso, exige.

--:--

Esse pormenor ocorre nos jornais, especialmente nos interioranos, onde a sistemática de trabalho difere dos grandes órgãos das Capitais. Nos grandes jornais, a editoria máxima condensa, compila e estabelece pautas de trabalho que os repórteres e redatores desincumbem  como uma espécie de tarefa. Na imprensa interiorana isso não ocorre. O profissional, especialmente se for redator, tem que “criar” ideias para produzir críticas ou matérias opinativas.

A exemplo de todas as profissões, os dois fatos apontados constituem-se nos  “ossos do ofício” mais “duros de roer” por parte dos profissionais da imprensa cabocla.

Extraído do Correio de Marília de 25 de outubro de 1974

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O jogo do bicho (26 de outubro de 1974)

O Climático Hotel (18 de janeiro de 1957)

“Sete Dedos”, o Evangelizador (8 de agosto de 1958)