O resto do feijão-com-arroz (31 de outubro de 1974)
Em termos de alimentação:
resto de comida é uma coisa e sobra de comida é outra.
Sobra é o que deixou de ser
consumido durante um período de refeição e é guardado para oportunidade outra.
Subentende-se por resto as sobras geralmente deixadas no prato.
Isso, no entanto, não vem ao
caso, embora essa tentativa de esclarecimentos de comparação venha a servir
como preâmbulo para o conteúdo deste artiguete.
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Este caso é verídico e
aconteceu há alguns anos.
Alguns amigos marcaram uma
pescaria, que seria (e foi) realizada no córrego Kaingang, no município de
Oriente.
Do plano dessa pesca fazia
parte o “passar a noite”.
Não recordo-me bem de todos
os pescadores. Mas fazia parte do grupo o Coércio Viajante, o Nicola
Despachante e um mecânico de automóveis, conhecido por Angelim.
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Como sóe acontecer, cada
“tarimbeiro” arrumou convenientemente seus apetrechos de pesca, iscas,
lanternas, etc… E, logicamente, o lanche, além de agasalhos para o frio
noturno.
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E é sobre o lanche que
pretendo falar, porque a lembrança ocorreu-me ontem, por correlação numa
informal e ocasional conversa política.
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Como saída iria processar-se
num sábado após o almoço. O regresso estava previsto para o domingo antes do almoço.
De minha parte levei um sanduíche reforçado, que seria o jantar e um
pão-com-manteiga, acompanhado de meia garrafa de café, que representaria o
desjejum da manhã seguinte.
A maioria levou também sanduíches para a janta, não havendo preocupado-se com o café matinal do dia
imediato.
Mas o Angelim, mesmo tendo
parecido o mais “grosso”, acabou provando ser o mais previdente: levou um
caldeirão (boia fria) repleto de feijão-com-arroz, com um “teto” de ovos e
batatinhas fritas. Como geralmente “os pescadores da cidade” não costumam levar
“boia fria”, o fato foi até motivo de gozação por parte de alguns. O mecânico
não se agastou.
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À margem do rio, todos se
preocuparam ao chegar em localizar um ponto certo, para quando escurecesse e
chegasse o momento de dormir. Depois veio a pescaria.
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Por volta das oito horas da
noite, decidimos jantar. “Rodou” o clássico aperitivo, cada qual se acomodou
como pode e teve início o “manjar”. Todos “atacaram” seus lanches e o Angelim
“largou brasa” no feijão-com-arroz completamente frio. O mecânico comeu menos
da metade do conteúdo da “boia fria”. Quando todos pensaram que ele iria jogar
o resto de comida, o Angelim colocou a tampa no caldeirão, amarrando-a para que
não caísse. E a seguir dependurou o mesmo num galho de árvore para evitar a
presença de formigas.
O grupo voltou a pescar por
mais algum tempo e depois cada qual tratou de “arrumar o leito” e “puxar o
ronco”.
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Por volta das seis horas, a
claridade do dia fez-se presente e os pescadores deixaram os “leitos”. Lavei o
rosto nas águas do rio e buchechei com a mesma água, à guisa de escovar os
dentes. Apanhei a “matula”, atacando o pão-com-manteiga acompanhado do café
amanhecido e frio.
Angelim dependurou o
caldeirão de “boia fria” e “largou o pau” no resto da janta da noite anterior.
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Ai aconteceu o imprevisto.
Depois que Angelim comeu, um
dos pescadores perguntou se ele iria jogar o resto. A resposta foi afirmativa e
o outro pediu: “Não jogue, deixe prá mim”. O mecânico passou-lhe o resto da
comida e o Nicola atacou, quando um outro gritou: “Deixa um pouquinho prá mim
também”.
E devoraram, ávidamente, o
resto do feijão-com-arroz frio.
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Lembrei-me disso ontem (30/10/1974), ocasionalmente, no Óca Bar, ao tomar um
cafézinho com o Anselmo, Felipe, Fittipaldi, Lúcio e Milton Mussi.
Lembrei-me do valor de ter o que desfrutar. Da previdência
do Angelim, em guardar resto de feijão-com-arroz, que lhe encheu o estômago e
saciou a fome de mais dois companheiros.
O fato em sí não teria
importância nem antes e nem agora. Mas teve-a, na ocasião. Representou o “ter”,
o “possuir”.
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O leitor, por certo, estará
procurando entender o porque dessa estória (que é verídica).
Aqui está: a lembrança desse
fato do passado, do resto do feijão-com-arroz, me foi despertada pela conversa
do Milton Mussi, que irá votar em Sebastião Mônaco para deputado estadual. Uma
pessoa dissera-lhe que ele perdera seu voto. E o Milton respondeu: “Posso
perder, mas perco com o que é nosso”.
Entenderam, agora, o porque
do “resto do feijão-com-arroz” e a importância de “poder” ter?
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