Hoje, Dia do Médico (18 de outubro de 1974)
Decorria o ano de 1936,
quando concluía eu o terceiro ano do curso primário, numa escola mista da zona
rural. Para “fazer” o quarto ano e “tirar diploma”, seria necessário ingressar
num grupo escolar, pois escolas rurais não ministravam o último ano primário e
também não possuíam grupos escolares. Estes só existiam em cidades.
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Oito quilômetros de distância
separavam o sitiozinho de meu pai da cidade de Cafelândia. Isto significa que
para cursar o último ano em grupo escolar teria que caminhar, diariamente, um
percurso de 16 quilômetros, entre ida e volta. E foi o que fiz durante o ano
letivo de 1936.
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Dentre os amigos que fiz na
classe, nutria eu “inveja” por dois deles: o Ivã, que era filho de um médico, o
Dr. Gilberto, e o Ary, que era afilhado de outro médico, o Dr. Moss.
Ambos eram os mais bem
vestidos e alimentados da classe, possuíam relógios de pulso, sapatos dos
melhores e levavam sempre os melhores lanches escolares.
Eu não levava lanche no
grupo, porque meu lanche constituía-se em “bóia fria”: um caldeirãozinho com
feijão e arroz e às vezes um ovo frito. Andava quase sempre descalço, pois o
tênis “pé-de-anjo”, que vez por outra o meu “velho” conseguia comprar-me,
durava pouco. Antes de chegar à cidade, consumia a “boia-fria” e escondia no
mato o caldeirãozinho, que apanhava no regresso. A verdade é que eu sentia
vergonha de comer feijão com arroz no recreio, enquanto outros levavam pão com
manteiga, pão com banana, pão com doces e outras coisas que eu não podia levar.
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O pai de Ary era
sapateiro-remendão, mas todas as despesas referentes ao garoto eram custeadas
pelo Dr. Moss – roupas, calçados, livros, lanches, cinemas, tudo.
O médico não tinha filhos
homens e auto-adotara o Ary, com a intenção confessa de custear-lhe os custos,
os estudos, para formá-lo médico, que viria a ser, em porvir, seu sucessor na
clínica geral e cirúrgica que possuía
Após a conclusão do curso e
depois de ter “tirado” diploma, voltei a fixar-me na lavoura. Enquanto isso,
Ivã ia estudar em São Paulo e o Ary, às expensas do Dr. Moss, rumava para Lins,
a-fim de cursar o ginásio.
O médico-padrinho do Ary deve
ter sofrido decepção, pois ao invés de médico, o rapaz acabou formando-se
contador, profissão que exerce até hoje (18 de outubro
de 1974).
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Mais de uma vez escrevi aqui
que minha vocação, desde a infância, sempre foi a medicina. Mesmo na zona rural
e à luz de lamparina a querosene, muito lia em criança, sobre a ciência médica
e sabia de cor os diagnósticos e os sintomas de muitos males, descritos numa
publicação que se intitulava “O Médico do Lar”.
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Das trinta e duas profissões
que aprendi a exercer, para o ganha-pão diário – comecei a trabalhar aos 7 anos
– inclui-se a prática de farmácia e de enfermagem e por circunstâncias
especiais e inesperadas, até partos auxiliei a fazer e fiz, sem que isso
pudesse representar exercício ilegal da medicina.
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Pelo conteúdo que aqui está,
manifesta-se de maneira indisfarçável minha grande admiração pela classe
médica.
Ocorrendo hoje, a festa de
São Lucas, o Médico do Evangelho, comemora-se também o Dia do Médico.
É esta minha homenagem a essa
classe abnegada, à qual confiamos a esperança da preservação de nossa saúde e
da cura de nossos males.
Meus respeitos à vontade
compassiva dos médicos, à generosa paciência, que mesmo nos momentos dos
maiores cansaços encontram tempo para socorrer o enfermo, que clama
ansiosamente as presenças desses profissionais, ocasião em que a vida do doente
passa inteiramente a ficar nas mãos do médico, que, mercê de seus estudos e
capacidade profissional e humana, dá ao paciente o ânimo forte, a esperança e a
força para a vida.
Aos médicos, esta pálida e
sincera homenagem.
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