Ah! Eu não sabia… (14 de agosto de 1976)


Numa cidadezinha não mui distante de Marília, testemunhei este fato, por volta de 1940.

Na entrada do lugarejo, dois pedaços de vigotas sustentavam táboas rústicas, à quisa de um painel ou taboleta. Nesta, escrita à pixe e numa péssima caligrafia, onde letras de forma se mesclavam com caracteres manuais, um aviso.

Redigido, mais ou menos, nos seguintes termos:

“É prohibido andar armado por ordem do Inspetor de Quarteirão aquele que quizer andar armado que deiche a arma em casa e depois não vai dizer ah eu não sabia”.

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Subentendi, na ocasião, que o tal de Inspetor de Quarteirão, avisava que o porte de arma estava proibido e que a não observância implicaria na apreensão da arma. E que o “ah eu não sabia” representava para que ninguém alegue ignorância.

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E essa lembrança vem desenterrar uma outra, de fato completamente diferente e sem qualquer correlação com o assunto acitado acima.

Até a década de 1940 os paulistanos sofriam mais do que “égua de arado”, com os seccionamentos do trânsito, que se verificavam na Avenida Rangel Pestana, próximo à Estação do Norte (hoje Presidente Roosevelt), quando das manobras e passagens de trens da Central, por aquele trecho.

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Formavam-se filas intermináveis de veículos.

Gritava-se, blasfemava-se, xingava-se Deus e todo mundo, com as interrupções do trânsito pelas chamadas então “Porteiras do Braz”.

Era um inferno.

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Aqueles que conheceram, nessa época, as famigeradas “Porteiras do Braz” e que conhecem hoje as “bicheiras” da Rua 9 de Julho, perceberão, guardadas as divedas proporções, que os dois angustiantes problemas são de identicas medidas e dos mesmos quilates.

Dia outro, já citei aquí, de que o truncamento do trânsito na cidade, especialmente nas ruas 9 de Julho e Paraná, irá constituir-se em subsídios para a crônica policial de nossa imprensa.

Algum dia essas manobras irão impedir o tráfego de viaturas do Corpo de Bombeiros, quando estes estiverem se locomovendo para salvar vidas ou extinguir sinistros. Ou alguém vai acabar morrendo no interior de carros ou ambulâncias, sem chegar ao hospital pretendido. Ou algum novo mariliense vai acabar nascendo no interior de veículos ou de taxis, por não dar tempo de chegar ao destino, em virtude das demoradas manobras da Fepasa e o consequente fechamento das famigeradas cancelas.

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Isto estaria conjurado hoje, não fôra o deserviço prestado à própria cidade, por meia dúzia de marilienses. Meia dúzia essa que “meteu a Câmara Municipal no bolso”.

E que, com isso, impediu que um consórcio Estado-Município, construísse um viaduto na Rua 9 de Julho.

E além de ocasionar prejuízos ao dinamismo da cidade, ainda desprestigiou o Governador de então, Sr. Laudo Natel, e o prefeito da ocasião, o recém-falecido Octávio Barretto Prado.

E disso resultou a amargura e o desespero desses impedimentos da normalidade do trânsito nesses citados locais, em virtude das “bicheiras”.

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Por certo, os que trabalharam contra esse fator do nosso progresso, deverão imitar as prováveis transgressões do “aviso” do Inspetor de Quarteirão inicialmente referido e pensar agora: “Ah eu não sabia”…

Extraído do Correio de Marília de 14 de agosto de 1976

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