A carta do Policarpo (25 de agosto de 1976)


Pois é assim, compadre.

Aquí é um contrasenso gritante. De um lado, a cidade desenvolvendo-se, graças à sua ciclópica administração municipal; de outro, fazendo como o caranguejo  andando para traz.

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Época de eleição é um inferno, fazendo a personalidade e as ações de muitos homens, mudarem qual birutas de aeroporto.

E acabou acontecendo mesmo aquilo que eu falei na minha última carta: vários ramos comerciais, especialmente os supermercados, estão agora fechando aos domingos.

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O assunto foi muito comentado. Domingo passado, não houve quem não fizesse um “comentário” sobre a Câmara e a Associação Comercial.

Disse-me o compadre Fidencio que ele e mais outros estão tratando de arregimentar aqueles marilienses que trabalham contra a construção do Viaduto da Rua 9 de Julho e formar um grupo para reforçar os que lutaram pelo fechamento do comércio.

Esse grupo vai deliberar outros fechamentos, pois assim a medida ficará generalizada e ninguém poderá abrir a boca.

Por exemplo:

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Açougues passariam a fechar aos domingos, pois açougues vendem carne e carne é genero alimenticio.

Padarias também ficariam fechadas, pois parariam vendem pão e pão é genero alimentício.

Bares também fechariam, pois bares vendem sanduiches e petisqueiras e isso também é genero alimentício.

As quitandas permaneceriam fechadas, porque quitanda vende frutas e legumes e frutas e legumes sai generos alimentícios.

Até as farmácias deveriam ficar fechadas aos domingos, porque farmácia vende leite e leite em pó é genero alimentício.

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Esse grupo estaria fazendo força e quebrando lanças para que só abrissem aos domingos postos de gasolina e borracharias, que não vendem generos alimentícios.

Por outro lado, iriam dar um jeito de votar uma lei proibindo que alguém morresse nos sábados, porque aos domingos os cemitérios deveriam ficar fechados.

Também seria proibido nascer gente nos domingos e as maternidades deveriam ficar fechadas.

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Os marginais deveriam descansar aos domingos, porque a polícia também deveria descansar.

Ônibus e trens também parariam aos domingos para descanso.

Os taxis também.

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Aos domingos ninguém poderia ficar doente, porque os médicos estariam descansando e os hospitais fechados.

Também não haveria sessões cinematográficas, porque os operadores e empregados dos cinemas deveriam descansar.

As emissoras de rádio e televisão não transmitiriam nada, porque seria dia de descanso aos domingos.

Neca de futebol, pois os jogadores também teriam que descansar nos dias de domingos.

Iria ser uma maravilha.

Marília, que já deu tantos exemplos de dinamismo e amor à terra, estaria sendo a “primus inter pares” numa dinamica diferente e ousada, que nenhuma mente sobre a terra, nem mesmo Einstein, teria conseguido “botas”.

Bem, compadre, o papel está chegando ao fim e porisso termino aqui, para voltar novamente daqui há alguns dias.

Recomendações à comadre e às crianças.

Extraído do Correio de Marília de 25 de agosto de 1976

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