“Num paga a pena” (31 de maio de 1974)
Monteiro Lobato foi um
escritor diferente.
Pena brilhante, sensibilidade
raríssima, sabia dar um aceleramento multi-forme à sua imaginação fértil, onde
a exuberância das idéias sempre fluía com a natural força e a cristalinidade
das águas que jorram das cachoeiras.
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No ról imenso de suas
publicações, destaca-se um trabalho extraordinário, que se constitui hoje num
legado maravilhoso da nossa literatura infantil.
Dona Benta, Pedrinho, Marquês
de Sabugosa, Emília, Rabicó, além de muitos outros personagens, representam a
fixação imaginativa de um rosário impressionante de estórias, amenas e
gostosas, bem dosadas, bem temperadas e úteis, como até agora ninguém foi capaz
de igualar.
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Do ponto de vista literário,
Lobato fôra versátil e eclético. Com a mesma facilidade que criava estórias
imaginativas infantis, abordava problemas nacionais, podendo-se afirmar que,
como jornalista e literato, ninguém antes dele conseguiu abordar, com mais
propriedade, o problema do petróleo, em época em que o “ouro negro” nem siquer
era explorado no país.
Não especializava-se, mas detinha um pendor de argúcia simplesmente extraordinário, em observações de
política e economia.
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Tinha outro lado oculto: a
sátira e o humorismo.
Deste último, pretendo falar.
Contratado, certa feita, pelo
farmacêutico Cândido Fontoura, Monteiro Lobato imaginou, criou e publicou um
avulso, caracterizando o protótipo de nosso caboclo.
A publicação tinha eiva de
interesse comercial, é certo. Mas a estória conseguiu retratar, de maneira
insofismável, nosso sertanejo desamparado, alheio ao conforto dos dias atuais,
ignorante de noções comezinhas de higiene, emergido na simplicidade santa dos
pobres e humildes, aqueles que não conseguem concentrar nos próprios corações,
a maldade, a inveja, a malquerença ou o desejo de praticar o mal.
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Esse “retrato”, Monteiro
Lobato configurou-o no caboclo pusilâmine, preso a um mundo restrito a um
“habitat” de curtos horizontes, submerso num conformismo desolador, que se
constitui, para ele, caboclo, num lugar comum, sem esperanças de mutabilidade.
Lobato criou o “Jéca
Tatuzinho”.
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Jéca Tatuzinho em seu mundo
de miséria era dominado por um manto de apatia, traduzida pela resignação e
conformismo da própria vida.
Quando lhe recomendavam para
capinar a roça, dizia: “Num pága a pena… o mato crésci ôtra veis…”.
Não matava as formigas: “Num
pága a pena… Elas násci ôtra veis…”.
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Tudo, para ele, “não pagava a
pena”, até que um médico o conheceu, compadeceu-se dele, ministrou-lhe e
recomendou-lhe o tratamento para a verminose e o impaludismo.
E a estória mostrou os
quadros seguintes, com o Jéca Tatuzinho recuperado após o tratamento. O mesmo
com a esposa e os filhos. O novo espírito de trabalho e otimismo, substituindo
a pusilanimidade anterior. O sucesso, o progresso, a bastança, enfim.
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Aproximamo-nos das eleições
de novembro, sem definição político-situacionalista local, que se refere à
escolha de um candidato de Marília para concorrer à Assembléia Legislativa.
Certamente, repete-se em
proporções outras, o caso do Jéca Tatuzinho por estas bandas:
- Quar… num paga a pena…
Extraído do Correio de Marília de 31 de maio de 1974
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