Mudando de conversa… (18 de março de 1977)



Sim, mudando de conversa, esta é a piada.

Madalena era mineira de Montes Claros, mas residia no Estado de São Paulo desde a infância.

O marido, que havia falecido há mais de 20 anos, fôra Coronel da Guarda Nacional e lhe havia deixado como herança três grandes fazendas formadas, alguns milhares de terras em Mato Grosso, além de outras propriedades, apartamentos em São Paulo, Guarujá e Rio de Janeiro e muito dinheiro vivo.

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Madalena tinha dois filhos. Melhor dizendo, um casal. Marcos, que casara-se com uma moça muito rica no Rio de Janeiro, que instalara uma butique moderna e sofisticada no Lido e que recebia uma polpuda renda de uma das fazendas da mãe. E Marcia, que casara com um boêmio metido a intelectual, que trabalhava pouco e absorvia a renda total de outra das fazendas de Madalena.

Com o passar do tempo, Madalena habitou-se ao estado de viuvez. Os rendimentos aumentavam as propriedades valorizavam-se.

E foi aí que uma amiga de chá e de fuxicos, a Esmeralda, que era farmacêutica aposentada aconselhou:

- Madalena, com tanto dinheiro que você tem, por que não passeia, por que não conhece o mundo? A vida é curta, seus filhos estão bem… por que você não desfruta essa fabulosa fortuna enquanto é viva?

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Foi o que bastou. Dois dias depois, Madalena decidiu. E, através, de um transsatlântico grego, empreendeu uma viagem em volta do mundo.

A viagem durou quatro meses.

Madalena gostou e acostumou-se a viajar.

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Quase não para mais em casa. Chega dos Estados Unidos, vai para a Espanha. Regressa da Espanha, vai para o Chile. E assim por diante.

E tem sorte. Quanto mais gasta viajando, mais renda lhe dão as propriedades.

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Mas Madalena acabou ficando doente.

Consultou o médico da família. Este prescreveu alguns remédios e nenhum resultado se apresentou.

Madalena foi para São Paulo, consultou os melhores especialistas. Nada. Foi para o Rio, idem. Viajou para a Inglaterra e para os Estados Unidos e nada de melhorar.

Então começou o desespero, com o medo da morte. E, como refúgio, Madalena passou a apergar-se as orações. E prometeu, entao, a Santa Terezinha: se sarasse, não mais viajaria confortavelmente como rica; viajaria nas condições mais precárias possíveis, como fazem os pobres mais pobres.

Santa Terezinha ouviu a prece, ficou com dó de Madalena e a viúva acabou sarando.

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Chegou o momento de cumprir a promessa.

Madalena propor-se a viajar. Tomou um trem da Fepasa, comprando passagem de segunda classe, porque não havia de terceira. Ela estranhou, mais ainda, porque a composição estava transportando muitos nordestinos, que de muitos dias empreendiam viagem. Sujos, com cheiro forte de suor e de chulé. As crianças com outros cheiros.

Mas ela não se importou. Estava feliz e cumprindo a promessa.

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Vizinha dela viajava um caboclo com duas crianças.

Madalena fingia não sentir o cheiro acre e sorria para o caboclo toda vez que o homem lhe olhava na cara. Em dado momento, uma criança pediu água. O homem desamarrou a boca de um saco sujo onde se misturavam roupas e outros objetos, de lá tirou uma canequinha feita com um lata de extrato de tomate, saiu e depois voltou com uma canequinha com água. A criança bebeu sofregamente. A outra pediu água também. O homem retirou-se e depois voltou com a canequinha com água. A criança bebeu. Madalena olhava. O homem, querendo ser gentil, perguntou se Madalena queria água. Ela achou que conviria beber, participar da vida daquela gente. Aceitou. O homem saiu, voltando com a água. Madalena bebeu e gostou. O homem indagou se queria mais. A viúva falou que sim. O homem voltou a sair.

Demorou para voltar.

Quando retornou, trazia a canequinha vazia e desculpou-se com Madalena:

- A sinhóra discurpe, mais num deu prá pegá mais água não… tem uma muié sentada in riba du pôço…

Extraído do Correio de Marília de 18 de março de 1977

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