Gírias e tatuagens (12 de março de 1977)
Dia outro, em palestra com um
amigo, veio à tona do colóquio, o assunto relacionado com a gíria de nosso
vernáculo.
Efetivamente, o brasileiro é
pródigo em inventar novas expressões, novas definições, palavras de sentido
antagonico. Todavia, há dois generos desse mesmo campo. As gírias espontaneas,
especialmente cariocas e as gírias de malandros e cadeieiros.
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Eu mesmo costumo usar gírias
em meus escritos.
Gírias sadias, bem entendido.
Gírias naturais, dessas que enriquecem, senão o vocabulário oficial, pelo menos
o sentido usual da identificação e discriminação das coisas.
Não aprecio as gírias de
cadeia e de malocas e algumas não entendo bem.
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Um distinto contava sobre um
romance improvisado, em que mal havia visto uma dama, com esta havia trocado
olhares e iniciado uma palestra, para acabar indo visitar a casa da mesma.
Contou assim:
- Eu tava de beleza, cismando
as coisas, fazendo tempo para rango. Desdaí vinha acontecendo um mulheraço, que
deu logo luz baixa e luz alta pro candango. Eu assuspeitei da moleza i persegui
a caça, arcançando e botando saliva nela. Ela arquejô no papo e pois se mandô
pro cerrado, em busca do mocó. Chegámu no pedaço e o papo foi bacana do céu na
terra. Falô?
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Outro
dia, num bar da cidade, acercou-se de mim um cara que eu jamais havia visto
mais gordo. Pediu-me um cigarro. Disse-lhe que não fumava. Pediu-me que lhe
pagasse uma pinga. Neguei-lhe o pedido.
Mas
o cara, ao envés de dar a conversa por finda, resolveu reanimá-la.
E
voltou a falar:
-
Meu camarada, gente boa, tu qué esquentá a guéla, pédi que eu págo a
cangibrina.
Ia
sair, mas quem estava comigo, segurou-me, piscando o olho, como a pedir que
continuasse a ouvir. E foi o que aconteceu.
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O
estranho dirigiu-se novamente para mim, dizendo:
-
Tu é genti boa, meu camarada. Tu é fazendêro, isso eu sei. Tu é genti fina, meu
camarada.
Eu
estava para “estourar” com aquelas conversa mole e de giria, me acabei
aquiescendo ao novo pedido de meu companheiro, que fazia questão de provocar o
estranho, para que ele continuasse com suas baboseiras.
E o
homem continuou:
-
Tu é gente fina, ó meu… tú é fazendeiro, isso eu sei, meu camarada. Eu também
sou gente fina. Eu também tenho meu dinheiro, ó meu.
E
prosseguiu:
-
Eu sô encanadô, sô piloto-aviadô, sô sargento da Força Pública. Já tive
fazenda, mais perdi ela. Num tô nem ai. Sei dirigi tratô e sô motorista também.
Mais minha carta tá bastecida, tú sábi u quié? Tá vencida de prazo, mais si eu
quizé ôtra é só falá cum us capitão du Exército, que são tudos meus amigos…
Não
aguentei mais. Saí.
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O
amigo que estava comigo, veio em seguida, glosando o fato de sempre acontecer
isso comigo: bêbados procuraram-me para longas e inúteis conversas.
O
homem que havia contado toda aquela baboseira, estava todo tatuado. E meu amigo
observou:
-
Nota sempre isso. As pessoas tatuadas que você encontrar, podem resumir-se
nesta porcentagem: 5 por cento, em casos de curiosidade ou de ingnorância. 5
por cento, para os casos de ex-presidiários.
Foi
aí que liguei a abundância de girias, com as tatuagens, achando que meu amigo
deveria ter razão.
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