Artigo sem título (16 de fevereiro de 1977)
A sala era pequena e só tinha
uma porta de entrada.
Nem mesmo janela, ou siquer
um “vitraux” – conforme se escrevia naquela época.
Um sofá, duas cadeiras e a
escrivaninha.
A sala era a redação e
administração do jornal. Tinha ligação com outros comôdos de fundo e
separava-se por uma porta de madeira do tipo vai-e-vem.
Na porta referida, em preto
com sombra branca estava escrita a palavra “Tipographia”.
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Sentado junto a escrivaninha,
havia um homem. Moreno, baixinho, com calvice acentuada. Aparentemente era ou
um homem cansado ou um neurastenico.
Estava sério e escrevendo a
lapis sobre um papel em formato de tira.
O homem era o redator do
jornal. Portanto, “o bom”, respeitado, admirado.
Escrevia raciocinando, como
se estivesse preocupado ou encontrando dificuldades para deitar no papel,
através da ponta do lapis uma idéia qualquer. Porisso, estava tão absorto que
nem me vira ali parado na porta.
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Em dado momento, ao levantar
a cabeça para buscar alguma idéias ou catar algum vocábulo, deparou com o
rapazinho raquitico e não muito bem vestido, ali na sua frente.
O rapazinho era o autor desta
coluna.
O homem perguntou o que eu
desejava, mas não me pediu para entrar e nem para sentar.
Avancei para ele, com uma “dá
licença” muito sem graça. E meio tituveante, fui dizendo que eu havia escrito
algumas crônicas e que gostaria de submetê-la a sua apreciação.
O homem mudou o procedimento,
encarando-me. Para mim, parecia um ser sobre natural, uma inteligência rara.
Inteligência rara era mesmo e só com o passar do tempo melhor pude convencer-me
disso.
- É isso ai? – perguntou, apontando
para os papéis que eu trazia na mão.
Respondi
afirmativamente com um aceno de cabeça e estendi os originais que havia levado.
Estavam datilografados em papel almaço, bem caprichadinhos, sem uma letra
remontada.
O
homem tentou esconder um sorriso e disse:
-
Menino, para jornal não se escreve sim com exterior. Escreve-se com capricho
interior.
Eu
não consegui entender muito bem aquilo.
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O
homem não leu os originais, como eu pensava que fosse acontecer, o que de certa
forma me decepcionou.
Limitou-se
a dizer:
-
Estou muito ocupado, agora. Deixe ai, que depois eu dou uma espiadela.
Sai
um tanto aborrecido.
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No
dia imediato, voltei.
O
homem – chamava-se Eloy – recebera-me mais calmo e com mais atenção. Mandou-me
sentar. E foi dizendo:
-
Menino, você não fugiu à regra… todos os principiantes fazem o mesmo… crônicas
de amor e lirismo, ou então poesias… seu português precisa ser mais aprimorado…
a idéia não é das piores… mas você precisa gastar muitos lapis ainda para poder
publicar algo em jornal.
E
devolveu-me os originais.
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Sai
frustrado.
À
noite, depois de ter regressado do Colégio e no meu quarto – eu dormia sozinho,
de favores, num pequeno quarto no quintal de uma casa comercial – passei a
pensar no que ouvira (… você precisa gastar mais lapis…).
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Gastei.
Tempo depois, voltei ao
jornal. Entrei com mais confiança. Cumprimentei e disse de chofre:
- Seu Eloy, gastei lapis,
escrevi muito… faça o favor de ver tudo isso… a semana que vem regressarei para
saber o resultado…
E antes que ele pudesse
responder algo, deixei a papelada sobre a mesa e sai.
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No dia outro, na parte social
do jornal, a secção era aberta com uma das crônicas que havia entregue.
Quase morri de contentamento.
Corri com o jornal atraz de todos os meus amigos para mostrar a publicação.
À tarde, fui ao jornal.
Seu Eloy disse:
- Menino, modifique isso de
assim para assim – explicou o que pretendia – e não use tal ou tal processo
(continuou a explicar).
E para minha surpresa:
- Você também vai ver o jogo
em Pirajuí?
Respondi
que sim. E o homem:
-
Então anote os nomes dos jogadores, os dados todos, gols, nome do juiz e os
resultados, para fazer a reportagem do jogo, tá ouvindo?
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Não
dormi e não via chegar o domingo, para que acontecesse o jogo.
Julguei-me
importante, muito importante, com minha primeira reportagem.
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É
que hoje é o Dia do Repórter.
Porisso,
saiu este artigo sem título.
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