A televisão do Simão (15 de fevereiro de 1977)
Simão é um cidadão qualquer,
que vive no meio do povo, que torce para o Corinthians, que gosta de uma
“branquinha”, que mora num barraco, que tem mulher e filhos.
Mulher magra e feia, mesmo
porque mulher de operário que mora em barraco, não tem jeito de ser bonita.
Barraco feito e
desconfortável, lá para o lado do Monte Castelo.
Os filhos de Simão são
subnutridos, mas nem eles e nem Simão sabem disso. E ainda não têm idade de
trabalhar para ajudar o pai. São quatro. Dois já estão na escola primária.
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Simão tem sua condução
própria: uma bicicleta. Velha, mas dá para “quebrar o galho”, conduzindo-o de
casa até o local de trabalho e vice-versa.
Se não fora a bicicleta, não
poderia trabalhar onde trabalha, pois para isso teria que pagar ônibus e o que
ganha não daria.
Se não fora a “magrela”,
teria que arranjar outro serviço, não muito distante, de modos que pudesse ir e
voltar a pé.
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Agora, Simão não tem mais
mulher e filhos. Está sozinho.
Depois de um grande bate-boca
com a esposa, Simão convenceu-se de que era demais no barraco. No calor da
discussão, a mulher mando-o embora, dizendo-lhe, na cara, de que ele não era
homem para sustentar uma casa digna e que por isso moravam num barraco, tal
qual como bichos.
E Simão foi embora.
Deixou a mulher e os filhos.
Demitiu-se do emprego e ninguém mais sabe onde se encontra.
Tudo por causa de uma
televisão usada.
Foi assim:
Onde moravam Simão e a
família, não havia luz elétrica.
Acontece, que na metade do
ano passado, esse melhoramento atingiu o local, tendo sido ligados dois “bicos”
de luz no barraco do Simão.
Foi muito bacana e até a
mulher do Simão precisou ralhar com os meninos, que viviam a divertir-se,
acendendo e apagando as luzes.
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Antes, Simão nunca havia
pensado em comprar um aparelho de televisão, mas depois de dispor da luz
elétrica, a mulher passou a meter-lhe minhocas na cabeça, dizendo que o marido
precisa “dar um jeito” e comprar uma tevê.
E os meninos, mais velhos,
passaram a fazer coro com a mãe. E o Simão passou a ver as coisas “pretas” e a
sentir-se aborrecido, porque não tinha as mínimas condições de comprar a
televisão.
A vida de Simão passou a
constituir-se num verdadeiro inferno. Não mais tinha sossego em casa, porque no
meio de qualquer conversa, vinha logo o assunto da televisão e as reclamações
da mulher.
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Nem Simão esperava, mais
aconteceu.
No bar do Zé, fizeram uma
rifa de uma televisão usada.
O Zé havia comprado uma tevê
colorida, como presente de Natal (que se aproximava) e resolvera rifar a velha
preto-e-branco.
Rifa dessas cartelas com
nomes femininos.
Ofereceram ao Simão. Ele não
tinha condições de comprar mas a tentação fôra muita. Pediu para pagar quando
recebesse o 13º. Salário, que seria no sábado seguinte. Aceitaram e ele assinou
o nome “Marta” – a esposa chamava-se Marta Aparecida – e ficou devendo dez
cruzeiros.
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No sábado, todo feliz com o
recebimento do salário extra, foi até o bar do Zé, para tomar uma e outra e
pagar a rifa. Nem pensou no resultado do sorteio e nem havia se preocupado com
o fato.
E porisso, a grande surpresa:
na rifa, o nome sorteado fôra “Marta” e Simão acabara ganhando a televisão.
Os amigos que conheciam o
homem e a situação, ficaram satisfeitos. E até um viajante comprometeu-se a
levar o aparelho para o Simão. E levou, tendo Simão deixado alí a bicicleta,
ido em companhia e depois voltado para apanhar a “megrela” e tomar a “saidera”.
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Naquela noite começou o drama
de Simão. O Corinthians jogava e Simão queria ver o jogo pela televisão. Mas a
mulher do Simão desejava assistir o Chacrinha. E por isso começou a discussão.
E foi no auge da discussão
que a mulher lhe dissera que ele não era homem para manter uma casa digna e que
a televisão fôra ganha na rifa, pois senão ela morreria de velha e jamais teria
televisão. E mandou-o embora.
E Simão foi embora.
Por causa da televisão
rifada.
Por causa de duas “Martas”.
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