A superstição (19 de janeiro de 1977)
Dizem que a superstição é própria
dos ignorantes ou das pessoas de pouca cultura.
Não é.
A superstição existe em todas
as gentes, em maior ou menor escala. Ocorre que é que muitas pessoas tentam
ocultar sempre esse sentimento.
Mas em cada ser há um
resquicio de superstição, isso há. Mesmo negando-o.
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Eu era garoto ainda.
Vivia numa miséria
franciscana, pois tinha todas as despesas de uma pessoa adulta e os rendimentos
de um moleque.
Pagava a mensalidade escolar
com sacrifício ingente, pagava pensão – só comida – e dormia de favor, num
quartinho existente no quintal de uma loja de ferragens. Não tinha condições de
pagar lavadeira, porisso eu mesmo lavava minha roupa, que estendia numa cerca
balaustre, sem torcer, para que pudesse ser usada sem passar.
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Foi quando apareceu na
cidade, um tal de “Professor Eurico”, profeta e adivinho, um sabe-tudo. O homem
respondia consultas sobre as mais variadas e incógnitas perguntas. As respostas
eram feitas através da emissora local, diariamente e via jornal semanário, aos
domingos.
As perguntas formuladas para
resposta pelo rádio, eram pagas. Uma quantia pequena, que o homem anunciava
destinar a determinada entidade de benemerência.
As respostas pelo semanário,
eram de graça e como eu não dispunha de dinheiro para pagar a resposta pelo
rádio, fiz minha “consulta” pelo jornal.
E aguardei.
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No domingo seguinte, assim
que levantei, fui direto ao Bar do Zé Ribeiro, para ver o jornal. Folheei ávido
o hebdomadário e deparei com a resposta que pretendia.
Fiquei decepcionado e não dei
crédito ao que me fora respondido. Achei a resposta bastante absurda e sem
fundamento. Mais do que isso, de previsões impossíveis.
Comigo mesmo, não pude
concordar com o futuro que o “professor” me antevia.
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Guardei o referido recorte e
só há poucos anos passados é que me defiz dele.
Com o passar do tempo,
percebi que o “vidente” havia acertado muito e se aproximado bastante de todas
as suas previsões para com meu porvir.
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Disseram-me a resposta:
1. Você vai perder seu emprego por uma crise provocada
por gente de fora.
2. Você percorrerá mares e conhecerá outros povos.
3. Haverá ocasiões em que sua vida não valerá nem um
tostão, mas no final você sobreviverá.
4. Terá sucesso em escritos e publicações.
5. Casará e terá muitos filhos.
6. Será rico depois dos 45 anos e morrerá depois dos 70.
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Menos o item seis, todas as
previsões se consumaram.
1. Aquele tempo, quem fazia o curso ginasial era chamado
de “bacharel”. Apareceu um “bacharel” vindo do norte e acabou fazendo amizade
com meu patrão e indo comer e domir na casa dele. E esse “bacharel” conseguiu
“encher a cabeça” do meu patrão, tendo eu sido despedido e ele ficado com meu
emprego.
2. Acabei viajando através do Atlântico, depois do
Pacífico e do Mar Tirreno.
3. Escapei de morrer na guerra, mesmo tendo outros
patrícios sucumbidos ao meu lado e junto comigo.
4. Consigo ganhar o pão-de-cada-dia escrevendo e já tenho
a credencial de jornalista internacional.
5. Certo.
Só falta a previsão de número
meia dúzia, para que tudo o que o “Professor Eurico” falou, venha a dar certo.
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Para finalizar e comprovar
que existe superstição, vem o caso daquele distinto que perguntou ao outro, se
ele tinha religião. E veio a resposta:
- Graças a Deus, sou ateu.
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