A propósito de uma data (18 de outubro de 1973)
Faz muito tempo.
A escola rural, só ensinava
até o terceiro ano do grupo, numa só classe e com a mesma mestra.
Eu havia concluído esse
terceiro ano, em apenas dois, porque a professora, dona Zaira, promovera-me no
meio do ano letivo, do primeiro para o segundo, pela razão de que eu sabia
fazer contas de dividir, com mais de dois números na chave.
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Para cursar o quarto ano e
“tirar diploma” era preciso estudar no grupo escolar da cidade. O quarto ano
funcionava das 8 ao meio dia e como o sitio onde eu residia distava oito
quilômetros da cidade, precisava levantar-me às quatro, saindo ainda escuro, à
pé.
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Meu pai decidiu e acertou,
com dona Guiomar, a farmacêutica da cidade, para que eu ficasse na casa dela,
enquanto estudava, trabalhando na farmácia. O marido da dona Guiomar era
médico, com consultório anexo a farmácia.
A mulher “faturava” mais do
que o marido, pois (ele) consultava sem cobrar e
o lucro era representado pelos medicamentos vendidos.
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Eu lavava vidros e apetrechos
do laboratório. Limpava diariamente o consultório e a aparelhagem do Dr.
Gilberto.
Naquele tempo não existia a
penicilina, nem vitaminas, nem os antibióticos de hoje. Mordeduras de cobra e
doenças venéreas, curavam-se com permanganato de potássio.
Preparados, quase se não
vendiam na farmácia. Só remédios manipulados. Era “fogo” aviar as receitas,
fazer pílulas, cápsulas, óvulos e supositórios, “na raça”.
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Injeções endovenosas, só eram
aplicadas por farmacêutico diplomado ou por médico. Para aprender aplicar
injeções intra-muscular, dona Guiomar permitiu que eu fizesse numa ampola de
óleo canforado, num dos auxiliares da farmácia, o “seo” Joãozinho.
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O Dr. Gilberto gostava de
mim, percebia meu interesse por tudo. Tanto que, quando as circunstancias
permitiam, ele consentia que eu presenciasse as consultas que fazia.
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Tomei gosto por tudo o que se
relacionava com a medicina.
Desejava ser médico, idéia
que só abandonei depois de adulto, por reconhecer a impraticabilidade de atingimento.
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Quando ia ao sitio visitar
meu pai, utilizava a experiência ganha na observação das consultas (perguntas
do médico e respostas dos clientes) e “dava consultas” aos caboclos,
prescrevendo a medicação.
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Certa feita, eu limpava o
consultório, quando entrou abruptamente uma mulher em prantos e aos gritos,
dizendo que havia “rebentado a bexiga”. A mulher encontrava-se no momento da
délivrance e a “bolsa” rompera-se.
Enquanto gritei pelo médico,
ajudei a mulher a deitar na mesa e quando o Dr. Gilberto chegou, um pequenino
ser estava nascendo em minhas mãos. Eu estava atônico, pálido e sem poder
falar. Meu espírito infantil não estava preparado para a dura realidade do
acontecimento, assim de chofre, pois eu era uma criança de 10 anos.
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Certa feita, em Araçatuba,
quando recém-casado eu era, ao chegar em casa, minha mulher, inexperiente como
toda recém-casada, chamava-me a pedido de uma vizinha, cuja filha
encontra-va-se no momento de tornar-se mãe.
Recusei atender, dizendo que
eu “não entendia”. Mas em conversas anteriores fôra dito algo sobre minha
rápida passagem por farmácia e consultório médico e senti o dever de não omitir
o socorro, ajudando a ultimar o parto dos mais fáceis e normais.
Por caprichosa coincidência,
a parturiente era mulher de um médico...
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Dos seis filhos que tenho,
cinco deles foram tratados desde que nasceram, pelo Dr. Adhemar de Toledo
(pai).
Esse estimado médico
mariliense, hoje radicado em Santos, todas as vêzes que levava uma das crianças
ao seu consultório, indagava o que eu havia ministrado. Dizia-lhe na maioria
das vezes, o Dr. Adhemar, com aquela simpatia e humildade digna dos grandes
profissionais, consolava-me dizendo: “A medicação está certa. Pode continuar”.
Ou, então: “Vamos substituir isto por isso”. Ou: “É bom também, para reforço,
dar isto”.
Estas passagens,
ocorreram-me, como disse no início, de minha intenção frustrada em não poder
ter sido um médico.
E hoje é o Dia do Médico.
Data consagrada à festa de São Lucas, o Médico do Evangelho.
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Com sua força e paciência, o
médico sempre é de vontade indômita, compassiva e generosa. Nos momentos de
nossos desesperos e dos maiores cansaços, lá está ele, a socorrer os enfermos
que clamam, que dele esperam o remédio salvador, a certeza da recuperação da
saúde.
Nessas ocasiões, a vida passa
a estar nas mãos na consciência e na competência, dessa criatura que é
sobretudo humana e que todos nós, respeitosamente, damo-lhes o nome certo, que
é doutor.
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Esta é a minha simples,
pálida, porém sincera homenagem aos médicos marilienses, neste 18 de outubro, o
Dia do Médico.
Extraído do Correio de Marília de 18 de outubro de
1973
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