Carta ao Policarpo (10 de outubro de 1973)
Marília, 10 de outubro de
1973.
Caro Compadre Zé da Rua:
Faço votos para que, estas
mal traçadas linhas vão encontra-lo no gozo da mais perfeita saúde e
felicidade, em companhia da comadre Maria Sofredora e seus onze pimpolhos.
Por aqui, eu mais a comadre
Maria da Fome e as crianças, vamos levando a vida como Deus é louvado.
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A gente lutando com a vida,
trabalhando de sol a sol, no duro. A noite ganho mais uma quirerinhas,
trançando laços e nos dias-santos e domingos, sempre pego um servicinho de
poceiro, para ganhar alguma coisa mais. Mas não é preciso tanto assim, porque a
vida está muito boa e só sobe um tiquinho de 1,2%, conforme li no Almanaque da
Farmácia.
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Tem vizinha reclamando, que o
preço da carne está muito caro, mas nós aqui
em casa nunca preocupamos com isso, porque, na verdade, a última vez que
comemos um pouquinho de carne, foi quando o coronel deu aquele churrasco, para
receber aquele homem da cidade, que diz que vai ser candidato a deputado.
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Televisão eu não comprei,
porque senão a família vai ficar vendo tevê a noite e isso cansa muito a vista
e o vidrinho de colírio que a gente tem, está quase no fim.
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Outro dia, um fazendeiro
muito amigo, deu p’ra gente uma melancia das grandes, que foi uma beleza. Eu, a
minha mulher Maria da Fome e as crianças, tiramos a barriga da miséria.
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Mistura a gente tem com
fartura por aqui. No “varjão” dá muita serralha e nas quiçaças tem maxixe à
vontade. De vez enquando, o meu filho Quincas, pela algumas rolinhas na arapuca
e a gente tem uma mistura gostosa e diferente.
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Roupa é o que não falta, pois
até no Asilo a gente sempre ganha algumas peças que a comadre conserta e
reforma.
Outro dia, numa oficina
mecânica eu consegui duas latinhas vazias de óleo de breque e fiz dois
candeeiros muito bons. Foi uma grande economia.
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Como você vê, a vida está
muito boa e não há nenhum motivo para queixar.
Eu estou satisfeito com tudo
e fico fulo de raiva, quando vejo os outros reclamarem que a vida está difícil
e que tudo está muito caro. Acho essa gente muito exigente.
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Se a colheita correr bem este
ano, qualquer dia vou fazer-lhe uma visita, cumprimentar a comadre Maria
Sofredora e os onze afilhados meus.
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Não pósso me queixar da vida,
mas tem uma coisa que está me dando muito aborrecimento.
É o meu filho mais novo, o
Bombardino.
Esse menino sempre foi e
continua sendo muito trabalhador. Me ajuda na lavoura, sabe arrear o cavalo,
sabe trabalhar com a enxada e o arado, já tirou diploma do grupo e é muito
estimado por todos. Ele escreve as cartas dos colonos e todo mundo gosta do
tipo das cartas que ele escreve.
Nos bailes aqui na roça, as
moças gostam de dançar com ele e todo mundo admira-lhe a inteligência.
Mas nestes últimos tempos, o
menino, que já está com 19 anos, cismou de meter umas idéias bestas na cabeça,
o que me está deixando muito triste e chateado.
É que o diabo do Bombardino,
meu filho, de uns tempos para cá, teima em dizer que quer ser vereador!
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