O “livre” casamento da Maricota (25 de setembro de 1973)?
Bastião, caboclo sacudido,
respeitado e trabalhador, era um tipo de exceção, de sua época e sua era, no
que respeito dia á profusão de prole.
Enquanto todos seus parentes,
amigos, conhecidos e irmãos, mostraram-se prodigiosamente exagerados, naquilo
que se convencionou a chamar de “fertilidade familiar”, o Bastião só tinha
filha única: a Maricota.
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Nunca havia passado pelo
gestunto do Bastião, que um dia haveria de anunciar a necessidade da Maricota
contrair também seu matrimônio. Absorvido, no seu labor cotidiano, empregando
bem seus momentos de lazer, o homem havia construído em torno de si próprio, um
capeamento de respeito, dignidade, palavra e masculinidade.
Disso muito se ufanava.
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Certo dia, como o estampido
de uma arma de fogo, Bastião ouviu algo, que fez um trêmido inusitado
percorrer-lhe toda a espinha. Foi quando a Dita, sua mulher, disse-lhe:
- Bastião, a Maricota já tá
mocinha... é preciso a gente ir comprando algumas coisas de enxoval, pois como
você sabe, dia mais, dia menos, algum moço vem “pedir” ela prá gente.
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A palestra tivera lugar pela
manhã, antes do Bastião partir para o trabalho. As palavras da esposa, que ele
antes jamais esperava ouvir, passaram a fazer um baile no meio de sua massa
cinzenta.
Ele trabalhando sempre, não
havia “visto” a menina crescer, tornar-se adulta. Nem tivera tempo de pensar
naquela realidade, que a mulher alertara e que iria, em algum dia, acontecer
inevitavelmente.
Seu rendimento no serviço,
foi alguns furos aquém do normal. Seu pensar, mesmo que fizesse força para
evita-lo, concentrava-se sempre na questão: a inevitabilidade do futuro
casamento da filha. Filha única, a Maricota.
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Os dias foram passando e o
homem acabou convencendo-se do aceitamento dessa preocupação. De fato, agora
acreditava, a Maricota um dia iria casar-se, como sequência inevitável da
própria vida.
Tudo fazia afirmar isso:
Moça, bonita, fisicamente perfeita, trabalhadeira, de bons princípios, de
inatacável moral, de boa família (ele se orgulhava, ao pensar nisso)
constituíam os fatos. Inevitáveis fatos.
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Bastião passou muito tempo
pensando nisso, embora sua mulher pudesse ter esquecido aquela pequena
palestra.
Fez quadros imaginários sobre
o casamento. Sobre o futuro genro. Sobre os futuros netos. Mas o pensamento
acabava num emaranhado tremendo e confuso, quando a confusa imagem mental se
detia no futuro marido da Maricota.
Quem seria ele? Quem?
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Depois de muito pensar, um
dia o Bastião resolveu e decidiu abordar o assunto diretamente.
Chamou a filha. Como já havia
até “ensaiado” o que dizer, foi direto ao assunto. Autoritariamente, disse-lhe:
- Maricota, você já está com
20 anos, idade boa para uma moça casar. Eu, seu pai, não irei impedir seu
casamento e vou dar-lhe liberdade total. Você poderá casar com quem quiser,
desde que seja com o Serafim, filho do compadre Belarmino.
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Há uma semelhança, que não é
mera coincidência, nesse conto.
No caso, com respeito ao
próximo casamento da Maricota, considere-se o próximo pleito eleitoral.
O Bastião, agora, passa a ser
a Arena.
E embora a atitude do Bastião
tenha parecido candilesca e autoritária, ele procurou ver o futuro da Maricota.
A Arena deve também imitar o
Bastião. Deve dar liberdade de escolha, mas desde que seja determinado
candidato.
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Se assim for, a Maricota casará
bem.
Marília acabará não casando,
a despeito dos pretendentes.
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É melhor “dar uma de Bastião”
e decidir para próxima eleição, um candidato único.
Pelo menos, haverá a certeza
de um bom casamento.
Da outra maneira, a Maricota
não casa e Marília não vai eleger seu deputado.
E o Bastião (verdadeiro) vai
acabar convencendo-se que estava certo.
O outro Bastião vai acabar
convencendo-se de que estava certo.
O outro Bastião vai acabar
convencendo-se, também, que ele próprio teve certa culpa pelo insucesso do
casamento.
Extraído do Correio de Marília de 25 de setembro de
1973
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