TIPOS & COISAS E CASOS (17)
Era dia de festa popular:
aniversário da “emancipação politico-administrativa” da cidade – como havia
discursado o prefeito ao microfone da emissora local.
E o alcaide, jubiloso com a
presença do público ao acontecimento – e pensando numa candidatura à deputado –
vibrava com todos, cumprimentando alegre todo mundo e realizado com as
inaugurações de “grandes obras”, como a construção de uma ponte, que, por sinal
beneficiava seu próprio sítio. E também uma nova sala de aula, que igualmente,
por sinal, dera um emprego à Pierina, professora leiga, porem bonita e “muito
simpática” para o prefeito.
Adelino morava alí, desde a
juventude. Abandonara a lavoura, viera para Bananeiral – a cidade que
aniversariava – e acabara por aprender a profissão de folheiro. Tinha uma
pequena e pobre oficina, onde contava com regular freguesia e conseguia ganhar
o pão da mulher e dos três filhos do casal.
Não era muito afeito a
festas. Simples, humilde, pacato, quando deixava o trabalho ia sempre para
casa. Trabalhava até o anoitecer, inclusive aos sábados. Aos domingos, quando
não programava uma pescaria, ia até o bar do Raul, onde batia papo com amigos,
jogava uma ou outra partida de sinuca e tomava alguns aperitivos.
Mas aquela noite, Adelino
saiu de casa para “dar uma espiada” nos festejos. Fazia parte da programação
especial, para a noite, uma demonstração de fogos de artificio e depois uma
retreta no coreto do jardinzinho.
Adelino assistiu o espoucar
dos fogos, depois foi ver a banda tocar. Ao aproximar-se da banda, vendo os
seus integrantes movimentando-se, trocando partituras e afinando instrumentos,
Adelino lembrou do Eduardo, seu companheiro de infância e por algum tempo de
juventude. Eram grandes amigos e fazia muitos anos que Eduardo falecera. Mas
naquela noite, Adelino lembrara-se de Eduardo e o observa da banda trouxera-lhe
à mente um fato com os dois acontecido, quando Adelino tinha dezoito anos e
Eduardo dezenove.
A lembrança fustigou a mente
de Adelino e os pensamentos se acumulavam como aquela gente que alí vinha
comparecendo seguidamente.
Lembrou:
Eduardo contou que havia ido
passear na cidade e que pela primeira vez conhecera uma boate. Perguntou se o
amigo já havia visitado uma boate. Adelino disse que não, que não conhecia e
indagou como era.
Contou Eduardo que a boate
era uma coisa muito moravilhosa, onde se comia e bebia e que havia mulheres
bonitas e música...
Combinaram que no sábado
seguinte os dois iriam à cidade e então Adelino conheceria a boate. Adelino
ficara encantado com tudo o que ouvira o amigo contar sobre a boate, mas uma
coisa o havia intrigado bastante: a afirmativa de Eduardo, que havia gostado
muito da privada da boate. “A privada é de ouro, cê vai vê”, complementou
Eduardo.
No dia aprazado, foram à
cidade. E, como combinado, foram à boate. Eduardo, entusiasmado, contava tudo
sobre a boate, numa repetição de muitas vezes e não se cansava em comentar o
surpreendente caso da “privada de ouro”, que ele – repetiu – viu, conheceu e
chegou até o usar...
Mas era cedo, ainda e a boate
estava fechada. Os músicos e as mulheres bem como alguns funcionários da casa,
entraram por uma porta lateral, a porta de serviço.
Momentos depois abriu-se o
guichê da bilheteria e a seguir a porta principal.
Eduardo comprou os dois
ingressos, como ficara combinado. E agarrando Adelino pelo braço,
encaminharam-se para o interior da casa.
As mesas estavam todas vazias, como seria de esperar. E Eduardo explicando tudo, como um autentico cicerone.
No palco, os músicos estavam
afinando os instrumentos e foi esse pormenor, que, associado ao espetáculo que
Adelino via alí no jardinzinho, que trouxe a lembrança do amigo e a recordação
do acontecido.
Os dois estravam de pé,
olhando para o palco e os músicos e Eduardo continuava a narração informativa.
E aconteceu:
Um dos músicos, olhando para
o lado da porta e vendo os dois amigos alí parados, cutucou o colega e disse em
voz alta:
- João, ó João... olha lá o cara
que fez “cocô” no seu bombarino...
Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo com data de 1988
Comentários