TIPOS & COISAS E CASOS (15)
Verdade. Antigamente, ou no
entranho – como diziam nossos avós – tudo era diferente. Até os animais
falavam. Sim, os animais falavam.
Seo Porfiro tinha uma
fazendola, que herdara do sogro, um bom lusitano, que além de deixar-lhe toda a
propriedade e um montão de dinheiro, legara-lhe a Beatriz, filha única, uma
portuguesa de Traz os Montes, muito bonita e prendada.
Porfiro e Beatriz eram
casados já mais de 8 anos, mas não tinham nenhum filho e esse fenômeno
preocupava muito ao Porfiro que sentia o arrepio de medo do futuro, quando ele
e a mulher viesse a falecer, sem ter um herdeiro legítimo, para legar-lhe os
bens.
Por essa razão, Porfiro e
Beatriz resolveram adotar um filho e a feliz escolha recaiu sobre um garotinho
que eles mandaram buscar numa cidadezinha no interior de Minas Gerais. O garoto
não sabia que era ilegítimo, pois, além de ter sido registrado com o nome
original dos pais adotivos, ninguém lhe contara e nem contaria nada.
O bastardo estava já com
cerca de 18 anos, havia estudado regularmente e o pais se preparava para
mandá-lo estudar em Coimbra, trazendo de lá um honroso diploma de bacharel em
ciências jurídicas.
Mas, voltando à pingela da
ponte, os animais falavam.
Às vezes Porfiro ficava
tempão ouvindo as conversas dos bichos. Um dia o cachorro Duque discutia com o
burro Brioso e o Duque sacou:
- Você é burro, tem que ser
burro mesmo. Tem que puxar carroça para servir o dono. Sua sina é morrer burro.
Mas o brioso nem se agastou e
com o vozeirão de um burro velho e experimentado, retrucou:
- Sim, eu sei que sou burro e
sinto até orgulho disso. Trabalho, sou bem tratado e bem alimentado e tenho a
noite livre para descansar. Além disso, nos domingos, feriados e dias-santos,
fico folgado, enquanto você, que é cachorro e que de cachorro não passa, tem
que guardar o dono, guardar a casa, latir a noite inteira, catar pulgas e ainda
fuçar restos de lixo e comer sobra que os patrões jogam...
O Duque enfesou e ameaçou
agredir ao Brioso, mas o Porfiro que estava próximo, aparteou, dizendo:
- Chega de conversa mole.
Cada um é o que é e pronto. Vão tratar de suas vidas, vão...
Um dia chegou à fazendola, a
Aparecida Maria, sobrinha da mulher de Porfiro, que residia e estudava na
Capital. Raramente ela vinha ao interior e quando o fazia recebia um tratamento
muito especial por parte dos tios e também do priminho, o Manuel Joaquim – que
nem a Cida sabia que era adotivo.
Aparecida Maria andava pelas
imediações e conversava com o cachorro Duque, com o burro Brioso, com as vacas
leiteiras e com as cabras e os porcos. Batia longos papos com os animais,
contava casos da cidade e se informava sobre a vida dos irracionais alí na
fazendola do tio Porfiro.
Ela gostava dos animais e os
animais também gostavam muito dela, pois era uma moça educada e de fino trato,
que tinha um bom papo para qualquer pessoa ou animal.
Uma noite, ela disse ao tio
que queria aprender a ordenhar uma vaca. Como o serviço de ordenha era feito
bem cedinho pelo retireiro Oscar, o tio aconselhou que ela tirasse o leite
depois que levantasse e tomasse café. Para isso, iria dizer ao Oscar deixasse a
Mimosa sem ordenha. A Mimosa era uma vaca muito mansa e compreensiva e a menina
iria se dar bem com ela.
Porfiro explicou como se
fazia a peia, isto é, o amarrio das patas do animal, durante a operação da
ordenha. E os detalhes outros, como o banquinho para sentar, o balde para
apanhar leite, etc.
Aparecida Maria chegou ao
curral por volta das nove horas. Oscar havia deixado não só a Mimosa, mas
também outras rezes, para não entediar a vaca a ser ordenhada, se ficasse
sozinha presa.
Feliz e cantando, Cida
chegou, peiou o animal, ajeitou-se toda, alisou a pela e bateu carinhosamente
na barriga da rês, dizendo com carinho:
- Mimosa, você vai ter uma
surpresa... eu nunca tirei leite...
E a Mimosa respondeu, então:
- Surpresa vai ter você... eu
não sou a Mimosa... eu sou o touro...
Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo com data de 19/8/1988
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