TIPOS & COISAS E CASOS (14)
A vidinha por alí era sempre
a mesma. Apesar de monótona não era cansativa. Pelo contrário, seus
acontecimentos corriqueiros eram sempre aguardados com ansiedade.
Especialmente aos sábados,
pois naquela ocasião na lavoura, com exceção das épocas das colheitas, todos
trabalhavam na roça até a hora do almoço. Depois só retornariam ao labor
agrícola na manhã da segunda-feira seguinte.
Às tardes, os encontros de
conhecidos e amigos eram inevitáveis no armazém do João Português. O campo de
bocha ficava lotado e precisava até esperar na fila, para conseguir jogar uma
boa partida ou participar de um “bate-fundo”.
O campo era sombreado por
duas fileiras laterais de bonitos bambuzais e os bancos de madeira, fixos ao
longo dos dois lados da pista de jogo, constituíam excelente convite para um
descanso e longos bate-papos.
O João Português tinha dois
filhos, que ajudavam no balcão e faziam as vezes de garçons. Para não fugir à
regra, um dos garotos se chamava Joaquim e o outro, Manuel.
- Manuel, manda uma pinga
aquí.
- Ó Joaquim, traz uma cerveja
e um maço de cigarro Castelões.
E as horas passando, as
duplas, os trios ou os quartetos, sendo substituídos ou revezando-se no campo.
Gente ia ali, não jogava bocha. Ficava sentada, apreciando os “pontos”, os
“tiros”, as “puxadas” dos jogadores, os protestos dos que erravam as jogadas e
os sorrisos dos que acertavam os objetivos.
As conversas eram variadas,
improvisadas, saltitantes qual o milho pipoca virando no avesso na panela.
Tudo em harmonia, tudo em boa
amizade.
Alí se conversava de tudo:
- Cê iscuitô dizê qui as
pédra di binga vão subí di preço?
- Iscutei, mai vai subí só nu
ano qui vem...
- Purqui será qui u Gídio
(nome certo, Igídio) parô di vim aquí nu butéco?
- Ué! Cê num sabia? Êli foi
prá São Paulo, levá a muié qui num tá boa... Já faiz umas duas semana...
Falava-se sobre a nova
plantação, as geadas, as queimadas, a festa do final da colheita, os preços do
arroz em saca, etc.
Nisso, o Eduardo chamou as
atenções dos presentes dizendo:
- Óia lá u Gídio...êli já
chegô di São Paulo...
O recém-chegado aproximou-se.
Foi cumprimentado e cumprimentou a todos. Falou com um, com outro, o Alemão
mandou buscar duas pingas e o Igídio sentou-se entre o Eduardo e o Alemão.
Turma jogando, turma
conversando.
Falou o Eduardo:
- Gídio, qui mar pregunte,
cumo é qui tá passando sua muié?
- Agora tá mais mió, mais
passo muito mar mermo... ité pensei qui ia perde éla.
Os dois indagando
interessados e o recém chegado contando:
- Fui num hospitár grandi,
ondi tem muita genti. Lá fizéru um montão di exame na Carme, minha muié. Ceis
nem carcula, chegáru tirá sangue da veia déla, Cuma agúia, prá ixaminá...
fizéru exame inté du mijo déla... óia, fizéru exame inté de fézi...
O Alemão confundio “fezes”
com “fel” e estranhou:
- Crédo! Cumo é que vai tirá
u fézi du figo?
Aí o Igídio explicou que o
“fezes” era aquela outra coisa e o Alemão ficou mais confundido ainda, porque
não tinha nenhuma noção de entender que de tal material se fazem exames para
saúde.
E conversa vai e vem, Igídio
contando tudo, até que fez uma confidencia:
- Vô conta prá oceis, im
segrêdo... antis di tudos êsses ixami qui falei, u dotô pricisô fazê um exame
nela, di corpo intêro...
- Pelada? – aparteou o
Alemão, incrédulo.
- Craro – respondeu o Igídio – é preciso, i afinar médico é prá isso mermo...
Prosseguiu:
- Deu trabáio, puiz a Carme
falô qui tirá a rôpa, num tirava di jeito ninhum. U dotô ixpricô cum paciência,
dissi qui eli i tudo médico faiz isso porqui priciza, qui é segrêdo di
profissão, qui era pra o bem déla e só cum ixame compréto é qui êli pudia fazê
us cárculo da doença i dá u remédio certo. Mai a Carme, firme, di opinião,
dizia qui tuda a ropa ela num tirava.
E o Alemão, curioso e
interessado, voltou a perguntar:
- I dispoiz desse conversa
ela tirô a rôpa?
Respondeu o Igídio:
- Muié teimosa, é muié
teimosa... tirá a rôpa, éla tirô... mais us ócro éla num tiro...
Extraído dos arquivos
pessoais de José Arnaldo com data de 19/8/1988
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