TIPOS & COISAS E CASOS (13)
Tudo estava calmo na fazenda
de Anizio Figueira. Éra um sábado à tarde. Os colonos haviam ido à cidade, para
as compras do mês.
Férias escolares e os filhos
do fazendeiro, os três – Mirela, Edson e Álvaro, de 17, 14 e 12 anos,
respectivamente – juntamente com a mãe, estavam no litoral, num apartamento de
praia que Anizio havia comprado um ano antes.
De manhã o fazendeiro havia
percorrido a plantação de um talhão de grão de bico. Era uma experiência e a
primeira vez que plantava tal tipo de grão. Depois deu uma olhada no mangueirão
e observou os porcos de engordo. Chegou em casa, guardou o jipe, lavou o rosto,
tomou uma talagada de uma pinga especial, que seu compadre Osias lhe havia
enviado de Pernambuco e ficou aguardando a hora do almoço.
Lá de dentro, ouviu a voz de
Marieta, antiga e fiel empregada e eximia cozinheira:
- Seu Anizio, u armôço tá
pronto... quando quizé cumé é só avisá...
Ele olhou para o horizonte, a
vista alcançava uma faixa distinta, que avançava morro acima, para deter-se na
copagem de um capão de mata virgem, que se ligava ao fundo azul do céu límpido.
Do lado esquerdo, em franco
declive, uma pastagem bonita, verde claro, poucas e pequenas árvores, com
manchas esparsas de grupos de bovinos. Além, mais em baixo, aquela fila indiana
das 32 casas dos colonos.
Nos fundos da casa, o grande
terreiro, a tulha altaneira, o galpão para a guarda dos tratores e máquinas.
Além, a cocheira e o curral e mais abaixo ainda, o grande mangueirão, com porcos,
cabras e carneiros. No pequeno piquete, os animais cavalares de serviços e de
montarias.
Anizio soltou uma deliciosa
baforada de cachimbo. Ele fumava cachimbo, quando tinha folga, estava feliz e
tranquilo, ou com a “moringa fresca”, conforme dizia.
Pensou que era feliz, sim. A
mulher boa, prendada, com saúde, meiga, boa esposa e boa mãe dos filhos. Os
filhos, bons, perfeitos, mental e fisicamente, estudiosos, sem nunca terem lhe
arrumado qualquer complicação. Tudo corria bem. Seus empregados e colonos
estavam satisfeitos, eram bem pagos e os que pretendiam dispunham de pequenas
áreas de terras para plantar alguma coisa “prô gasto”. Sua conta bancária era
excelente, seu crédito éra especial.
- Vô almoçar, que tudo está
bem, bem mesmo – pensou. Levantou-se, sentou-se à mesa e comeu
satisfatoriamente.
Cochilava numa cadeira
“preguiçosa” depois de ter almoçado. Foi quando ele chegou. Um rapazinho
escuro, magro, de olhos grandes e vivos. Falou:
- U sinhô é seu Anizio, né?
Mi faláru muito du sinhô i cumo eu tô sem serviço, vim pidí imprego...
Anizio não precisava de
empregado, mas como era cortes e estava tranquilo e até um tanto triste com a
solidão, mandou o rapaz entrar e sentar alí na varanda.
- Eu si chamo Pedro, mais
pódi mi chama di Pedrinho... vim di Água Branca... trabaiei lá quatro anos cum
u seo Alencar Oliveira, acho qui u sinhô cunhéce...
Sim, Anizio conhecia o
Alencar, por sinal uma boa praça.
Conversa vai e conversa vem,
ficou acertado de que o Pedrinho trabalharia alí até encontrar outro emprego
melhor. O rapaz disse que fazia de tudo na fazenda. Combinou em ir buscar a
tralha e comparecer na segunda-feira bem cedinho.
Dito e feito. Na
segunda-feira cedo, Pedrinho apareceu. Anizio mostrou-lhe um quartinho ao lado
do galpão e deu ordem à Marieta para aumentar o almoço para uma pessoa a mais.
Fazia uns dez dias que
Pedrinho trabalhava alí. Éra bom de serviço, mas tinha um inconveniente: falava
muito, contava muita bozófia. Isso não agradava ao Anizio, que costumava ser de
poucas palavras e falar objetivamente e só o necessário.
Anizio mandou Pedrinho ir até
o sítio vizinho do Chico Furtado pedir que ele mandasse o Zé Pião, para domar
um potro que o Anizio considerava em estado de montaria. No regresso, Pedrinho
trouxe a notícia de que o Zé Pião havia viajado para Minas, para visitar a mãe,
que estava doente.
O fazendeiro pensou um pouco,
chamou Pedrinho e disse:
- Amanhã você vai domar o
potro Faisca.
O Pedrinho estranhou,
empalidecendo. E disse:
- Seo Anizio, eu nunca muntei
num potro...
E o fazendeiro, ignorando a
suplica, respondeu:
- Não tem importância... o
potro também nunca foi montado... assim vocês dois vão aprender...
Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo com data de 19/81988
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