TIPOS & COISAS E CASOS (9)



Santiago era um imigrante espanhol, semi-analfabeto, “roleiro” no bom sentido. Não gostava muito do batente, mas vivia de certa forma bem e senão cem por cento honestamente, pelo menos noventa e oito por cento de maneira decente.

Muito bom de papo. Lia todos os jornais e livros que podia e isso acabara por fazê-lo detentor de um apreciável cabedal de conhecimentos. Viajava muito, sempre na zona rural. Em todo o lugar onde passava, conquistava amigos, acabando por comer, beber e dormir.

Acertava seus “rolos” com muita maestria. Conseguiu área de terras dos sitiantes, para plantar alho, com uma técnica própria e especial, conforme apregoava. Era tão bom de lábia, que os sitiantes acabavam estregando as terras preparadas e com sua conversa, acertava outros caboclos para o plantio e cuido, até a safra. Tudo na base de “meia”, mas na verdade Santiago ficava com a parte do leão.

Fazia garrafas de remédio, com vinho branco, permanganato de potássio e carqueja, que eram “um porrete” para curar maleita.

Mas ele se anunciava especialista mesmo era na castração de porcas. E fazia certinho o serviço, sendo raríssimas as vezes em que uma marrôa viesse a morrer de infecção, depois de castrada.

Fazendeiros e sitiantes aguardavam ansiosos os períodos em que Santiago costumava aparecer para as operações de capação de porcas, que se destinariam à engorda.

Ele vinha, chegando geralmente ao entardecer. Só dava tempo de observar as porcas e leitoas, contar as cabeças, determinar o isolamento das mesmas, separando-as do rebanho comum.

Nessa cera, esperava até o crepúsculo – e com isso, a melhoria da bóia que a dona da casa preparava. Jantava bem e alegremente, batendo muito papo e contando as últimas novidades e os acontecimentos da cidade, pois naquele tempo não existiam rádios ou tevês na zona rural, devida a falta de energia elétrica. Rádios a pilhas não eram conhecidos.

Até vizinhos vinham ali para ouvir a conversa de Santiago, que era tido como um homem inteligente, muito bom e muito agradável.

No dia seguinte, fazia o serviço de castração das porcas.

Tinha seu próprio “bisturí”, que mandara fazer, de acordo com um desejo por ele projetado. Era uma lamina em formato de meia lua, sendo que a parte cortante era representada pelo circulo exterior e da parte interior, saia um apêndice, que era adaptado como uma espécie de cabo de faca.

A operação consistia na detenção do animal, que era amarrado pelas duas pernas trazeiras e também pelas dianteiras, deitado do lado direito.

A seguir, sem qualquer limpeza ou assepsia, Santiago apalpava com os dedos, o local próximo a virilha da marrôa, como tentando localizar a altura e o local do ovário. Punha o “bisturí” em posição horizontal, como se medisse visualmente o ponto estratégico da cirurgia. Aí, com o animal imobilizado, o capador pressionava com a ponta dos dedos, a lamina do aparelho, que provocava uma cisão em forma de meia lua, numa base de uns dez centímetros. O sangue principiava a jorrar e Santiago metia três dedos na cavidade, lá mexendo e acabando por trazer para fóra, o involucro do ovário da porca – uma espécie de sementinhas de goiaba, envolto por uma mucosa semi-gelatinada. Com o “bisturí”, ia afinando o ovário que ficava na mão e em pouco cortando os pequenos grãos, que ficavam entre seus dedos.

Com uma agulha do tipo de costurar sacos de estopa e usando barbante comum de sisal, ele costurava a incisão, amarrando as pontas. A seguir, banhava a cirurgia com querosene puro, desatava as patas e soltava o animal. Este, no começo, ficava encolhido, quase nem podendo andar e três a quatro dias após estava completamente recuperado. Menos de um mês, os pontos de barbante se desintegravam e a porca estava preparada para a ceva e engorda.

Mas no sítio do Serafim, acabou dando zebra. Serafim mandou castrar uma única porca. Isto porque a mesma tinha o péssimo vicio de comer os leitãozinhos que paria, após o nascimento.

Santiago capou a porca e foi embora.

Voltou dois meses depois e encontrou o Serafim bastante irritado.

Reclamou do Santiago:

- Santiago, como se explica que a porca que você capou voltou a dar cria? O que você diz disso?

E o espanhol, com toda a pachorra disponível, ponderou:

- É que a porca se ciô...

Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo com data de 18/8/1988

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