TIPOS & COISAS E CASOS (11)

Cidade pequena, onde todo mundo sabe tudo, sobre todo mundo. Existem os cochichos, o respeito, e desconfiança, a maledicência.

Se alguém via o padre sozinho à noite, já maliciava o que deveria e o que não deveria. Se o Salim da lojinha apresentava alguma melhoria estética e pessoal, já desconfiavam que ele estava roubando muito.

Se a mulher do açougueiro andava sozinha na rua, mesmo para fazer compras, não faltava quem cortasse sobre a dignidade da coitada.

Mulher que andasse com um decote liberal, por pouquinho que fosse, já era marcada pelos línguas-pretas da cidade. Se o comerciante fosse gentil com uma freguesa, já iria surgir quem pensasse ou quem dissesse algo vergonhoso, inverídico, sofismático ou até pecaminoso da pobre cliente.

Fóra isso, cidade normal. De gente boa, ordeira, trabalhadora.

Certo de que os buchichos circulavam entre poucos e que eram por isso conhecido nesse sentido, entre poucos também. Como num rebanho: boi preto, com boi preto.

Mas existe algo de bom, que é a solidariedade. Todo mundo ajuda todo mundo, quando necessidade há. E, quando um assunto merece sigilo, embora póssa ser esmiuçado pela ferinidade dos línguas-pretas, ele é mantido em sigilo. Pelo menos para a maioria dos habitantes.

Existem casos em que as mulheres são mais observadoras e mais maliciosas do que os homens. Porisso, algumas dessas mulheres já haviam notado e poucas comentado entre sí.

É que a Lourdinha, filha do casal Esmeralda e Sebastião, ela costureira e ele mecânico, vinha despertando atenções, suspeitas e curiosidade por algumas madames da cidade. A Lourdinha andou de namoricos com um rapaz de um parque de diversões que havia passado uma temporada na cidade.

As mulheres, olhando de soslaio, comentam em surdina:

- Cê viu, Maria? A Lourdinha tá meio esquisita, mais fechada, meio tristonha...

- Eu percebi, disse a outra, continuando: Cê num acha que ela tá com a barriguinha meio inchada?

Ambas bateram levemente nos lábios e se persignaram.

O caso não ficou público, mas sabido. Todovia, ninguém fazia comentários, para não criar casos, mesmo porque, assunto de família é coisa muito melindrosa.

Sebastião e Esmeralda ficaram sabendo do “rôlo”. Pensaram no efeito negativo do nome da família e pensaram como encontrar uma fórmula para remediar o mal, que feito estava.

Apareceu na cidade um jovem lusitano, que recém-chegado da Europa, vinha radicar-se alí. Por acaso, viu a Lourdinha e gamou pela moça. Começaram a namorar. A cidade fez que esqueceu e ficou “na moita”, aguardando o desfecho.

O namoro caminhou bem, chegou ao noivado. Os pais torcendo para o casamento realizar-se logo, mas mesmo assim demorou um tempinho.

O noivo feliz e preocupado com a construção do novo lar, nada percebia e nada desconfiava. A noiva modifica as roupas, usava cintas e tudo ia indo bem.

E aconteceu o casamento.

Com muita festa, como seria de esperar.

Todo mundo feliz e só o Sebastião preocupado, não sabendo avaliar qual seria o desfecho do caso, assim que se descobrisse a verdade.

Três meses após o casamento, nasceu um menino. O suposto pai exultou, feliz. O povo calado, cumprimentando, levando presentes, mas mergulhado num suspense tipo Hitchkock.

Um amigo do recém-casado, não resistiu e alertou as atenções do mesmo, dizendo que ele havia casado há três meses e que a crianças só nasce após nove meses.

O europeu encucou.

Pensou, pensou e resolveu abrir o jogo. Chamou a mulher, contou o que tinha sido informado e exigiu explicações.

Lourdinha não esperava por isso, pois estava certa de que o mal já havia passado. Tomada de surpresa com a bronca, assim apelou:

- Tá certo, sim, querido... você está casado comigo há três meses... e eu estou casada com você há três meses... são seis... nós dois estamos casados há três meses,,, então... seis e três são nove...

Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo datado de 18/8/1988

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