TIPOS & COISAS E CASOS (6)



A laboriosa população da pacata cidadezinha de Varjão da Purunga andava preocupada. O povo conversava e comentava sobre a seguida onda de assaltos a bancos, a postos de gasolina e até contra pacíficos rapazes de escritórios, quando estes se dirigiam a estabelecimentos bancários.

“Aqui não há perigo”, diziam muitos, numa tentativa de falso auto-controle, mas temendo que um dia o caldo pudesse também entornar.

“Qual o que! Varjão é cidade pequena e póbre e ladrão de fóra não vai querer perder tempo em vir assaltar nosso banco aqui”, é o que dizia seo Matias, o gerente da agência bancaria da cidade.

Mas uma espécie de psicose disfarçada tomava conta de todos. Medo, mesmo. Queriam ocultá-lo, dissimulá-lo, mas ele, o medo, existia.

Também, aquele locutorzinho da Rádio Difusora, rapazinho pernóstico que havia chegado da Capital – segundo ele mesmo dizia – estava criando um clima de muita tensão. Ele lia ao microfone as notícias mais trágicas e sensacionalistas, extraídas de um pasquim tipo pinga-sangue, que ele recebia diariamente pelo ônibus que chegava à tarde.

Anézio, esse o nome do locutor, esmiuçava, recortava, montava notícias para o resto do dia e para o dia imediato, até a chegada da nova edição de novo pinga-sangue. Era um recurso profissional, não havia dúvidas, mesmo porque os fatos naturalmente ocorridos no local eram poucos e praticamente rotineiros e também, porque a emissora não dispunha de nenhum veículo ou fonte de informativa para manter e alimentar os horários de todo o dia, cuja maioria do espaço-tempo era consumida com as apresentações de sessões de oferendas musicais.

A vida continuava.

Um dia o desassossego tomou conta dos habitantes de Varjão da Purunga. É que o banco da cidade vizinha de Poço do Sossego havia sido assaltado em plena luz do dia, com o estabelecimento cheio de clientes. Os ladrões levaram tudo o que puderam e disso se aproveitou o Anezio para sensacionalizar a notícia, inclusive chamando as atenções de todos, como se estivesse, ele próprio, a prever um assalto ao banco de Varjão da Purunga.

O povo ficou revoltado. O Padre Bartolo, mais algumas autoridades, inclusive o delegado e o prefeito, estiveram na emissora e reclamaram do proprietário, contra o comportamento do locutor Anezio, pedindo medidas de prudência e ausência de sensacionalismo, na divulgação das notícias gerais e especialmente os policiais.

Alguns dias depois, todo aquele sensacionalismo caiu no esquecimento e a vida da pacata Varjão da Purunga retornou seu padrão de normalidade.

Mas aconteceu.

Éra dia 10 do mês. Dia de pagamento da maioria das poucas empresas. Todo mundo feliz, com os cheques nas mãos, lotando o banco e aguardando a vez do atendimento. Uns conversando, outros exteriorizando planos, num papo informal e espontâneo.

Foi rápido como um relâmpago.

Uma meia dúzia de indivíduos estranhos, todos armados, tomaram posições estratégicas, exibindo os “paus-de-fogo” e gritando que era um assalto, que ninguém se mexesse, pois comeriam chumbo.

Todo mundo quieto, todo mundo lívido.

Seo Armando, o inspetor de quarteirão, notou que os assaltantes pareciam todos estrangeiros. Um deles pediu ao caixa Carlos que pusesse todo o dinheiro numa sacola e não tentasse nada. Todo mundo com os olhos esbugalhados. O funcionário, olhando assustado para o cano de um grande revolver para ele apontado, foi soltando todo o dinheiro. Quando a sacola estava cheia e ele ameaçou levantá-la por cima, vez que não cabia na boqueta do caixa, o ladrão guardou o revolver e disse num bom vernáculo, em alto e bom tom:

- Póde guardaire todo o dinheiro... isto não foi assalto, foi apenas um ensaio... o assalto verdadeiro vai aconteceire quarta-feira, às 14 horas...

Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo com data de 17/8/1988

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