TIPOS & COISAS E CASOS (5)



Ele se sentia ofendido. Mais do que ofendido, ferido em seu amor próprio. Só uma vingança, mesmo que fôra sórdida, poderia cicatrizar a marca da ingratidão que entendia ter sofrido.

Ele iria vingar-se, sim. De que forma, não sabia, mais iria vingar-se. Iria ser o último a rir, mesmo que ela chorasse com o resultado.

Sentado junto à mesa do bar do Tonhão, rodava lentamente com a mão direita o copo de cerveja quase vazio. A garrafa estava com mais da metade do líquido, mas tanto tempo fazia que fôra aberta, que já havia esquentado.

E pensava:

Sempre gostara dela, sim. E dera mostras disso. Ele sabia que sempre fôra trabalhador e honrado, estimado por todos, porque sempre se comportara como homem de responsabilidade.

Tudo caminhava bem, até o dia em que chegou na cidade, indo hospedar-se na pensão da mãe da Diva, aquele carinha metido, cheio de coisinhas, funcionário do banco e que havia sido removido da Capital.

Num abrir e fechar de olhos, aquela coisa, o Nivaldo, conseguira impressionar a Diva, sua namorada. Dona Maria, mãe de Diva, tratava o hospede como um filho, cercando-o de todo carinho e conforto. E aconteceu: Diva resolveu romper o namoro antigo com o Fausto, que trocou pelo Nivaldo.

Sim, ela foi franca: contou que havia sentido despertar um verdadeiro amor. Fausto contra-argumentou, mas ela estava decidida e irredutível. E foi mais além, afirmando que Nivaldo, moço fino e de grande futuro, lhe havia aberto os olhos, porque ele, Fausto, não passava de um simples pé-de-chinelo. Na ocasião ele sentiu-se inativo, baixou a cabeça com o rude golpe, virou as costas e saiu. Tudo estava irremediavelmente perdido.

Fausto levantou-se da cadeira, dirigiu-se ao balcão, pagou a cerveja e saiu do bar.

A cachorrada latiu com a aproximação do visitante. A porta da casa foi aberta, apareceu o Dito Benzedô, que gritou com os cachorros e disse em tom alegre:

- Bom dia, sô Fausto... póde chega... os cachorro não vai mordê, não.

Dito Benzedô era curandeiro, fazia benzimentos, lidava com búzios, realizava simpatias e dava garrafadas de remédio, resolvendo todas as espécies e casos complicados e carentes.

Fausto contou tudo, tim-tim-por-tim. E pediu solução para sua vingança engendrada.

O curandeiro falou que ele tinha que arranjar cinco sapos, fechá-los num cubículo, deixando uma vasilha com água. E não alimentá-los de forma alguma. Todos os dias, olhas os bichos. Com o passar do tempo, eles começariam a definhar, pela fome. Um teria que morrer primeiro. Quando encontrasse um sapo morto, soltasse os outros quatro.

Fizesse um amassado de carvão, até reduzi-lo a pó. Com o pó de carvão, desenhasse uma cruz nas costas do sapo. Jogasse um pouco de água benta nos olhos do réptil morto. Fizesse um embrulho e mandasse entregar à Diva. Por portador ou pelo correio. Ela iria assustar-se ao abrir o embrulho, mas o efeito já estaria configurado, só no recebimento da encomenda.

Garantiu o Dito Benzedô:

- Dentru di treiz dia, ela procura u sinhô. I vai pidí prá si intregá tudinha. Aí u sinhô faiz a vingança nela i nu armofadinha du Nivardo...

Passaram-se dois meses e um dia, na porta da farmácia do Juvencio, o Dito Benzedô topou o Fausto. Cumprimentaram-se e o curandeiro perguntou:

- Feiz a mandinga? Deu certo, num deu?

Fausto contou que acertou com o Paulinho da dona Lavinia, para ele caçar os cinco sapos. Demorou quase uma semana e o Paulinho apareceu, trazendo os cinco répteis.

Fausto colocou os animais num viveiro, como fôra instruído e só no segundo dia é que notou que o Paulinho se enganara e, ao invés de trazer cinco sapos, trouxera cinco rãs.

E o Dito indagou o que ele havia feito com as rãs.

Respondeu o Fausto:

- Comí elas...

Extraído dos arquivos pessoais de José Arnaldo com data de 17/8/1988

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