O que “Ike” deveria ser (20 de fevereiro de 1960)
A não ser que o cidadão morra de amores por uma conhecida política exótica de fundo vermelho, para ostentar o “vírus” do anti-americanismo, acreditamos que, todo e qualquer pessoa, desde que dotada do suficiente senso de neutralidade e razão, e, por naturalidade, amiga dos norte-americanos. Amiga e admiradora, porque se trata, em verdade, de um povo merecedor dêsses predicados.
De nossa parte, tendo convivido com os “yankees” durante um ano inteiro, conhecendo “de visu” o espírito de organização e o trabalho sem preguiça dêsse povo, sua “verve” inconfundível e o inequívoco manuseio daquilo que chamamos democracia, somos, como não poderia deixar de ser, admiradores e amigos dessa gente.
Iremos receber no Brasil, como hóspede oficial do Govêrno nacional, a honrosa visita do presidente Eisenhower, chamado pelos americanos apenas por “Ike”, assim como nós chamamos o Sr. Kubitschek por JK. Acontece que existe uma pequena diferença, pois o “Ike” dos americanos significa alguma coisa de íntima, enquanto o tratamento de JK, muitas vezes, apresenta um certo pejorativismo.
Como dizíamos, o presidente dos Estados Unidos virá ao Brasil e o serviço de relações públicas do Itamaratí já organizou o programa oficial, inclusive o “menu” para os faustosos, fulgurantes e opíparos banquetes. 3.000 quilos de alimentos serão consumidos em apenas dois banquetes, onde se contarão as iguarias mais famosas e caras do mundo, algumas procedentes até do exterior. Nesse particular, pensamos que estamos operando algo errado, pois cremos que o mais certo, seria apresentar nesses banquetes, apenas o que é nosso, legitimamente nosso. Isto é, deveríamos oferecer ao ilustre visitante, o cardápio com a cozinha tipicamente brasileira (olhem que é variada, farta e completa), vinhos, licores e mesmo uísque e champanha nacionais, além dos pratos, talheres e cristais de nossa exclusiva fabricação. Assim é que fazem todos os povos do mundo; apresentam com orgulho o que gostam, o que produzem, o que têm de melhor.
Acontece que o brasileiro é assim mesmo. Espalhafatoso por excelência. Em sua bondade extrema, com o interêsse de agradar, de ser um anfitrião de primeira grandeza, comete exageros até. E, o que é pior, costuma preparar a sala de visitas convenientemente adornada, sem esquecer os mínimos detalhes para impressionar o visitante. Enquanto isso, amontoa o lixo na própria cozinha, sabendo de antemão que o visitante não irá “fuçar” o referido cômodo.
Nós pensamos diferente no caso. Entendemos que o visitante deve ver tudo o que possuímos e não apenas o que preparamos para que conheça. Se êle for observador arguto (como é!), notará logo o exagero dos aparatos. E perceberá que existindo fartura, bom gosto, boa ordem e organização num local, não faltará outros em que se apresente o reverso da medalha.
As visitas oficiais são sempre assim; o visitante conhece os pontos mais bonitos, mais pitorescos, as obras de maior vulto, tudo enfim que é exibido, não sòmente com o intuito de mostrar o que possuímos, mas, antes e acima de tudo, com o objetivo de esconder o que não temos, o que não realizamos.
Pode parecer um absurdo êste pensamento mas não nos pejamos em externa-lo: Se não fôra mais bonito, seria pelo menos mais honesto, que o visitante visse os dois extremos da Nação; a beleza do programado para a visita e as carências e misérias do país e dos nacionais; o abandono de nossas lavouras e as deficiências de nossos transportes; o filho do brasileiro morrendo de verminoses e subalimentação, descalço e maltrapilho; a sêca do nordeste; e tantas outras coisas.
Acontece que isto não acontecerá. O presidente “Ike”, se for curto de idéias observadoras (o que não acontece), declarar-se-á posteriormente, “encantado” com as maravilhas, beleza, hospitalidade e farturas brasileiras. E estará certo, porque apenas isso lhe foi propiciado conhecer.
No caso, é o mesmo de todas as visitas oficiais que diversos “cobras” já realizaram em Marília: conheceram o Paço, a Faculdade de Filosofia, o Restaurante Marília, a Água Fluoretada, etc.. A nenhum dêles se mostrou as erosões, a miséria dos bairros, as deficiências diversas que possuímos em abundância.
Isso é o que “Ike” deveria ver.
Extraído do Correio de Marília de 20 de fevereiro de 1960
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