Despojos dos “pracinhas” (24 de novembro de 1959)

Já estão assentadas as providências, para a trasladação dos despojos de cerca de meia centena de “pracinhas”, do Cemitério de Pistóia, na Itália, para o mausoléu que está sendo erguido no Rio de Janeiro, na “Casa do Ex-Combatente”.

Diversas opiniões divergiram sôbre a necessidade ou não de processamento dessa mudança de centenas de heróis anônimos. Pensam uns que a transferência para o sólo pátrio é imprescindível e representa um dever de brasilidade, enquanto outros entendem que os que repousam nas terras de Dante, após terem tombado pela Pátria, alí devem permanecer indefinidamente.

Não seremos nós que iremos entrar no mérito dessa questão, isto é, emitindo um conceito sôbre o acêrto ou não da medida preconizada e prestes a ser consumada. O que nos moveu a abordar o assunto em referência tem outro fundamento. Vejamo-lo:

Da mesma maneira que algumas pessoas alheias diretamente ao movimento, tem sido enviadas (à custa do Govêrno), todos os anos à Itália, por ocasião do Dia de Finados, teremos desta vez, inevitavelmente, uma camarilha de “aventureiros” e “veranistas”, que, sob o pretexto de patriotismo, irão a Europa, sem despesas, incluidos no ról da “comissão especial”.

Deputados, senadores e políticos diversos, além de politiqueiros profissionais, demandarão com tôda certeza, sendo também quasi certo de que muitos já estarão “tramando os pausinhos” para não deixar escapar esse “boa boca”.

Dos ex-combatentes, daqueles que socorreram os companheiros, daqueles que apanharam os “pracinhas” nas trincheiras, banhados de sangue ou com os corpos estraçalhados pelas granadas e morteiros inimigos, poucos ou nenhum irão. Quando muito, seguirá um “cobrão” da FEB, mas um “cobrão” que não viu siquer como “a cobra fuma” numa trincheira ou num “fox holle”. Que não dormiu em “buccos” e nem em estrebaria de feno pôdre, com o manto da morte sôbre a cabeça. Que não passou fome e necessidades e que não esteve, como os “pracinhas” de trincheira, de frente no duro, sem saber notícias do Brasil, sem momentos de folga, com a noção perdida até dos dias da semana.

Erro gravíssimo e afrontoso a memória daqueles que morreram pela Pátria e no mal pago reconhecimento dos que voltaram, será enviar uma “comissão especial” de “boas vindas” a Pistóia, para transportar os restos dos “pracinhas” da FEB tombados em combate, pagando à Pátria a mais nobre dívida de patriotismo: o tributo de sangue!

As pessoas indicadas para esse sacrossanto mistér são os próprios ex-combatentes. Aqueles que sentiram nas carnes as agruras da guerra e que sentem nos corações a saudade imorredoura, mesclada do descaso dos govêrnos para com a classe dos “pracinhas” que soube cumprir o dever-pátrio e que a única coisa que tinham a perder foi a própria vida.

Que atentem para isso os Srs. Presidente da República e Ministros de Estado. Já são muitos os desprezados e os descasos que se processam neste Brasis contra os “pracinhas”. Não lhes impinjam mais êste, mandando “passear” na Itália, políticos alheios até ao grande movimento da FEB na Segunda Grande Guerra Mundial!

Os indicados para cumprir essa missão, de maneira cabal e religiosa, são, exclusivamente, os companheiros daqueles que atingiram com o generoso sangue brasileiro, as legendárias terras da península itálica.

Aligem, senhores homens do Govêrno, as pretensões dessa camarilha de oportunistas. Entreguem a responsabilidade e a elevada missão desses serviços aos que devem executá-los, aos verdadeiros ex-combatentes!

Cumpram, senhores homens do Govêrno, pelo menos desta vez, o dever da gratidão da Pátria para com os que já souberam cumprir suas obrigações para com o Pavilhão Verde e Amarelo!

Extraído do Correio de Marília de 24 de novembro de 1959

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