Carne importada e exportada (6 de novembro de 1959)

Em plena rua, um amigo e leitor nos entrega de um recorde de jornal da Capital. Uma entrega assim sem nenhuma parada, tal qual o maquinista do trem entrega ao funcionário da estação um determinado apetrecho relacionado com o comboio e a viagem.

Com uma rápida vista d’olhos, percebemos a razão: duas notícias telegráficas, uma procedente do Rio e outra de Santos, insertas na mesma coluna, uma sôbre a outra, apresentando dois extremos de u’a mesma questão: a da carne.

O primeiro telegrama, originário da Capital Federal, dando contra de um desmentido de notícia vinculada pela imprensa. Quer dizer, negando que o Brasil estava importando 4.000 toneladas de carne da Argentina, para afiançar que o número exato dessa importação é de 40 mil e não de quatro mil toneladas. O contestante e afirmante, segundo o texto da notícia, é o próprio presidente da COFAP.

No despacho seguinte, oriundo de Santos, divulga-se a partida do navio “Mormacwavo”, para os Estados Unidos, conduzindo 58 mil toneladas de carne bovina brasileira, exportada para a terra do Tio Sam, sendo embarcador o Frigorífico Armonr.

O contra-senso é enorme, não resta dúvida. Corrobora de maneira irretorquível, uma ação de desgovêrno. Atesta a falta de um critério condigno, com colime maior disciplinação no setor da própria economia do país, pois demonstra, aos olhos da cara, abandono completo ou degorganização total.

As duas notícias, paginadas por coincidência (ou malicia) na mesma coluna e na mesma edição, poderiam ter passado despercebidas para o espirito menos avisado, mas tal não sucedeu com o leitor que nos ofereceu o recorte. Efetivamente, antes de mais nada, a questão aí não é sòmente de desgoverno; é também de vergonha. É um dos eloquentes atestados de como anda “entregue às traças” o setor econômico nacional. Enquanto o sr. JK não pensar menor em Brasília e pensar um pouquinho mais no país, as coisas continuarão nesse pé, nesse pé, não: tenderão a piorar dia a dia.

Entre nós, os potentados é o que ditam as conveniências de móto próprio, em beneficio de poucos, para detrimento de muitos. Por isso, contam, além da inoperância dos homens do Govêrno neste particular, com o beneplácito e até apoio da famigerada COFAP.

O recorte do jornal que estamos referindo está em nosso poder e poderá ser manuseado, a título de curiosidade, por quem o desejar. Comentamos o fato não porque seja digno de um simples escrito para o preenchimento do espaço que nos é aqui reservado. A rigor, o fato não seria mesmo merecedor de um simples artiguete de um cronista interiorano, pois o assunto para uma pesquisa bem mais aprofundada e dá ensejos até para a lavração de um trabalho técnico de bastante fôlego. É só deter um pouco o raciocínio na profundeza dessa anomalia, para convir que o assunto, objeto dêsses dois telegramas referidos, é dos mais graves para a própria economia do país. É questão que bole com a fome dos pobres e que deixa claro a inoperância de certos setores do Govêrno da República, demonstrando falta de pulso, falta de vontade ou descaso flagrante para a própria vida brasileira.

Meditem os leitores sôbre êsse motivo e tirem por si as suas conclusões. Nós já extraímos as nossas.

Extraído do Correio de Marília de 6 de novembro de 1959

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