Vontade de matar! (18 de setembro de 1959)

Realmente, a expressão que nos serve de epígrafe para o comentário de hoje é algo tétrica. Mas tem as suas razões de ser, embora impossível pareça. Sob o aspecto legal, não; sob a análise lógica, também não; mas sob o aspecto do amor próprio, póde ser justificada e largamente discutida.

O fato é o seguinte:

Ontem. Pessoa insuspeita, conceituada, comerciante. De crédito, de prestígio, de tradição. De nome e renome, enfim. Acercou-se de nossa reportagem. E, sem mais preâmbulos, indagou inesperadamente: “Você já teve vontade de matar alguém?”.

Pergunta difícil de responder, é claro. Quem póde responder uma inquirição tão grave assim? Quem pode dar uma solução à uma pergunta tão grave e tão profunda, que encerra em seu recôndito uma filosofia tão difícil de alcançar?

Não estranhem os leitores, se dissermos que a resposta deve ser filosófica, porque a pergunta foi filosófica. Encerra um “esforço para generalizar, aprofundar, refletir e esplicar”.

Pois essa pessoa nos procurou, como dizíamos. E nos adiantou os motivos originários da pergunta. E foi mais além: disse mataria uma pessoa se conseguisse colhêr melhores e mais concretas provas. Trata-se de um cafajeste. Um engraçadinho, um canalha. Cafajeste, engraçadinho e canalha, porque ao envés de trabalhar, de cuidar de sua vida, de ser decente, de ser honesto, leal e homem, vive a aborrecer as famílias alheias, utilizando-se desse utilíssimo aparelho que é o telefone.

O homem, esse nosso amigo e assinante, tem a sua razão. Com três filhas mocinhas, não é justo que permita seja a sua moral pisoteada por desocupados e imbecís, telefonando diariamente para a sua residência e dizendo bobagens e até pornografias aos seus familiares.

Aí, então, é que surge o ponto mais difícil de analisar. Se um chefe de família não tem o direito de defender o seu lar e a decência de sua família, que ameaça ser conspurcada por alguém que não tem brios e decência, em que pé estamos? Como responderia o leitor, em caso de ser jurado de um crime de morte, em que um chefe de família tivesse assassinado para defender a moral de sua própria casa?

O homem foi a Polícia. O Dr. Gaeta, segundo nos afirmou o interessado, prometeu tomar as providencias e segundo sabemos, já existem algumas pistas. O caso é grave. Telefone é um aparelho de utilidade inalienável. Suas finalidades são bem outras que as de servir de anonimato para cafajestes dirigirem insultos, desafouros ou taras que não tem a coragem suficiente para externar em pessoa.

Se nós fossemos jurados num caso desses, absolveríamos que tivesse morto um cafajeste que se utilizasse de um telefone para enegrecer a dignidade e a moral de uma família.

E, vamos mais adiante: Se a polícia deitar as mãos aos canalhas que usam tal expediente, eles terão duras contas a acertar.

E ainda: o homem que estava com vontade de matar, talvez não o faça; talvez o faça, dependendo a circunstância e o estado de ânimo. Em todo o caso, é bom que este alerta póssa servir de esclarecimento aos que usam o telefone para fins condenáveis, pois esse homem, frizamos bem, já matou muita gente... embora não seja, perante a Lei, nenhum criminoso!

Extraído do Correio de Marília de 18 de setembro de 1959

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