Negócio rendoso (28 de agosto de 1959)


Sim, ser deputado no Estado de São Paulo é um negócio rendoso. E tem que ser mesmo, pois se assim não fôra, não justificaria o interêsse e os rios de dinheiro que os candidatos gastam no período pré-eleitoral, aspirando uma “poltronazinha” no Palácio 9 de Julho.

A Paulista fornece passes permanentes aos deputados. As empresas aeroviárias concedem descontos especiais. A política e suas manobras dependem do comportamento dêsses homens. As leis, idem. O povo também.

Ser deputado é alguma coisa que inspira e justifica a cobiça geral. Não sòmente pelo “cartaz”, porque “cartaz” hoje não dá para comprar nem um grão de feijão. Existem muitos outros motivospara justificar a “corrida” desenfreada e o interêsse inconteste de muita gente em querer gozar de imunidades parlamentares, um dos maiores absurdos do Brasil.

Mas, a verdade é que ser deputado, regra geral, é um negócio rendoso hoje em dia. Tão rendoso, que até nós, gostaríamos de ser deputados. Pode-se votar em causa própria. Pode-se ser um crápula, um cafajeste, um “não sei-o-que”. Ninguém “põe a cara” com deputado. Nem a Justiça, pois nenhuma pessoa investida nesta função poderá ser processada se o Parlamento decidir em contrário!

Deputado pode legislar em causa própria. Isto é, pode escrever leis de beneficio próprio, como aumento de vencimento da classe, feitura de cargos de beneficio para parentes, etc.. Pode conseguir empregos polpudos para parentes e amigos e são as pessoas que todo o mundo gosta de dar uma “puxadinha”...

Ser deputado deve ser muito bom. O deputado está sempre “por cima”. É só saber que o João dos Anzois pleiteou alguma coisa que represente melhoria para a cidade de Canela Torta e que o Barduino conseguiu “dobrar” um “majorengo” qualquer, para o deputado dirigir uma cartinha ao seu cabo eleitoral favorito, dizendo a “ele” é que é “o tal” é que conseguiu o engenho! No caso, o João dos Anzois sabe que a verdade é outra, mas quem é ele (João dos Anzois) para desmentir o “doutor deputado”?

O povo vai “comendo barriga” sem protestar, porque protestar contra uma afirmativa de deputado, “representante do povo”, é “chover no molhado”. Ademais, a gente fala “por traz”. Ninguém diz, de chofre, “na cara” do deputado, que ele é mentiroso, que ele é incapaz, que é incompetente, que é demagogo ou aventureiro político. Ninguém.

E o deputado vai se agigantando, vai continuando no seu “cartaz”, até o prenúncio do término do mandato. Aí, então, começa a “se virar”. Se correspondeu efetivamente, talvez possa ser reeleito. Senão, já sabe – chorará depois, chamando uma inexistente “ingratidão” do povo.

Enquanto isso, vai se aproximando da tesourada da Assembléia, em dia pré-estabelecido mensalmente, para receber os vencimentos régios (que êle declara “não dar pra nada”).

Uma coisa, nos últimos tempos, nos deram a certeza de que o eleitorado brasileiro está avançando muito em sua perspicácia. É que elegemos muitos deputados inteligentes. Tão inteligentes, que descobriram um meio de ganhar 100 mil cruzeiros por mês, para tomar café, beber água gelada, estabelecer planos de encontros em “boites” e destratarem-se entre si. Descobriram que não dando número de presença às sessões ordinárias, são convocadas sessões extraordinárias e a “gaita” aumenta muito mais!

Não é um negócio muito rendoso, convenhamos; mas que é rendoso, isso nem se discute!

A falta de vergonha, no caso, está elevada à quinta potência!

Extraído do Correio de Marília de 28 de agosto de 1959

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