“Sombra e água fresca” (9 de julho de 1959)

Interessante, como um dito jocoso, nascido talvez de um simples acaso, tenha vinda a casar-se tão sob medida, para o espírito de muita gente.

Positivamente, uma grande maioria de nossos patrícios, enquadra-se perfeitamente dentro dos postulados dessa oração, que, insignificante em sua expressão de sentido, geral, passou a constituir-se num verdadeiro cartão de identidade de muitas pessoas.

Claro, estamos falando em tése; mas que o adágio referido, de “sombra e água fresca”, adapta-se de maneira especial, hoje em dia, à muita gente destes Brasís, isso é inegável.

O fenômeno parece inalienável e sei análise. Será alguma coisa que “está no sangue” do nacional? Será influência do clima tropical? Será consequência da mescla originária e da variedade de raças ancestrais dos brasileiros?

É difícil uma resposta sábia e certa. A observação de qualquer pessoa, afeita ao trabalho e “escolada” pelo mundo póde muito bem aquilatar a razão dos motivos que estamos referindo. Regra geral, sobre partidários do rifão que nos serve de epígrafe. Gostamos, é verdade, de “sombra e água fresca”. Porisso, em análise geral, enquanto um brasileiro genuíno demora vinte anos para progredir na vida, o estrangeiro diligente, aproveitando as facilidades de nosso comércio ou a dadivosidade de nossa terra, prospera num quarto desse lapso de tempo.

O que possui o estrangeiro mais do que nós? Para aluguem como nós, paga os mesmos impostos, compra os mesmos calçados e as mesmas roupas, vai aos mesmos restaurantes ou aos mesmos cinemas, matricula os filhos nas mesmas escolas e frequenta as mesmas igrejas; no entanto, em pouco tempo “dá um geitinho” para comprar uma casinha, ou adquire um sítio, ou se estabelece por conta própria. E isso é tudo, sem que ninguém o ajude, a não ser ele próprio. Acontece que ele procura trabalhar o mesmo que póde e gastar o menos que póde também. Conosco, já o negócio é diferente; salvo excessões, tratamos de trabalhar o menos possível, gastar até o que não podemos e viver como não poderíamos viver. Repetimos, estamos falando em tése.

O nacional se acomoda facilmente e poucos são os que “se matam”, procurando meios diversos de ganhar dinheiro. Existindo um emprego e uma renda certa, mesmo que seja insignificante, o “negócio” está bom. Não existe ambição e sim conformismo, o que, não se póde negar, já é uma grande qualidade (embora com as suas desvantagens).

É comum, hoje em dia, um desocupado procurar simplesmente “um emprego”, enquanto o estrangeiro procura serviço.

Até no funcionalismo público se observa êsse particular; o candidato, antes de ingressar na vida funcional, alimenta a pré-concebida idéia de “mamata”, de boa vida, de ganhar dinheiro “no mole” e antevê num sonho azoinado, um “dolce far niente”.

Como não há regras sem excessões, o caso não se aplica e todos indistintamente; mas que representa a maioria, isso representa. Da mesma fórma, existem estrangeiros que se radicaram no Brasil já cinquenta anos, mal tendo hoje em dia, um “terno do missa”. Mas que são poucos, isso são.

Vejamos uma fazenda de café, por exemplo: qualquer pessoa mesmo que seja pouco arguta e pouco observadora, distinguirá, com facilidade, numa colônia, a residência de um estrangeiro e de um nacional; regra geral, a casa do caboclo é suja, abandonada, sem móveis, sem nada; a residência do estrangeiro já tem lá uma hortazinha com um pé de alface, um chiqueirinho com um porquinho de ceva, algumas galinhas no terreiro e alguns sacos de cereais constituindo a despensa. O caboclo, não; este vive solicitando “ordens”, está “pendurado” no armazém, na farmácia e na fazenda. Também cria frangos e junta óvos. Mas vem vende-los na cidade, para jogar no bicho ou beber cachaça!

Porisso, dissemos no início deste artiguête, nunca um dito jocoso como este de “sombra e água fresca”, calhou tão exatamente bem para uma grande parte de nossa gente.

Mas, um consôlo nós temos, sobretudo isso: No carnaval e no futeból ninguém nos bate, óra bólas!

Extraído do Correio de Marília de 9 de julho de 1959

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