Reverência ou interesse? (23 de julho de 1959)


Ninguém poderá negar que o ex-Presidente Getúlio Vargas foi um dos mais atinados e perfeitos políticos brasileiros do último século. Ninguém, em sã consciência, nem mesmo aquêles que foram seus adversários doutrinários, poderão jamais deixar de reconhecer no homem que pelo mais longo lapso de tempo governou o país, qualidades excepcionais de administrador arguto, de político de escól, de inteligência ímpar.

Os advogados em especial e aquêles que possuem algumas noções de direito comercial em particular, se analisarem de maneira neutra e desapaixonada, o compêndio das leis trabalhistas, a criação dos institutos de previdência social, suas reais finalidades, direitos e obrigações (hoje desgraçadamente mal cumpridas), convirão que o sr. Getúlio Vargas legou à posteridade brasileira, uma verdadeira riqueza moral. E, sensatamente, de maneira alguma será plausível o atribuir ao criador dessas mesmas leis, o atual e flagrante desvirtuamento de suas finalidades específicas. Seria o mesmo que condenar um pai, pelo crime praticado por um filho que lhe não deu a necessária obediência filial.

O prestigio de Getúlio Vargas continua latente em todos os quadrantes do Brasil. Sua memória continua a ser reverenciada e cultuada de maneira condigna e merecida. Entretanto, ao lado dêsse preito de saudade, campeia também a exploração política, com o fito de iludir o povo e tirar vantagem de caráter estomacal, por parte de incontáveis politiqueiros contumazes, que alguém já denominou de “exploradores do cadaver e da memoria de Getúlio Vargas”. Até a declarada sobrinha do ex-Presidente (que se afirma nem ser parente distante de Getúlio Vargas!), teve o desrespeito de sair à praça pública, exibindo o pijama ensanguentado do Sr. Getúlio Vargas!

Um núcleo partidário ostenta um retrato gigantesco do ex-Presidente. Poderá parecer normal ou mesmo obrigatória a permanência daquele painel em fugar semelhante. Nós entendemos que não. Daquela maneira, o retrato não traduz uma saudade ou uma reverência. Não significa, pensamos, um preito de respeito ao criador do Partido Trabalhista Brasileiro (hoje tão confuso, tão desrespeitado, tão incompreensível e tão desvirtuado nas suas origens, onde homens se degladiam em idéias divergentes e onde u’a minoria quer saciar desejos e impor condições). Representa – continuarmos a pensar –, a demonstração pública de interesses políticos, que obedecem conchavos realizados por algumas pessoas, em contra-partida aos interesses consultados pela maioria, pelos verdadeiros getulistas. Representa assim, alguma coisa como enfeite de vitrina comercial, onde se usam artimanhas próprias para iludir o público.

A reverência ao ilustre morto e digno ex-presidente, não se faz, absolutamente, com a exposição de um retrato gigantesco numa séde de partido político, com fins eleitoreiros.

Pensamos até o que diria o saudoso Presidente, se pudesse agora manifestar seu pensamento, ao ver a injustiça e os propósitos de interesses de voraz apetite político, que pairam sôbre a sua memória, a lembrança de sua figura altaneira e a dignidade de seu nome.

Alguém poderá pensar de maneira diversa ao que estamos expendendo. Nós assim entendemos.

E perguntamos: o que diria o Sr. Getúlio Vargas, se vivo fôra, ao saber de que maneira se explora seu nome, seu vulto e sua óbra?

Extraído do Correio de Marília de 23 de julho de 1959

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O jogo do bicho (26 de outubro de 1974)

O Climático Hotel (18 de janeiro de 1957)

“Sete Dedos”, o Evangelizador (8 de agosto de 1958)