Estão explorando os bois? (17 de junho de 1959)

O caso parece anedota, mas não é.

Sob certo aspecto, está a merecer atenções do próprio Governador Carvalho Pinto, uma vez que tem sua parcela de responsabilidade, frente aos preços elevadíssimos de importante alimento comum. E em se tratando de questões inerentes à economia popular, justo é que o maior magistrado do Estado líder da Federação, encare o assunto com cuidado e interesse. Trata-se do seguinte:

O custo do transporte de cada cabeça de gado vacum, pela Estrada de Ferro Sorocabana (que é ferrovia estatal), equivale-se, de qualquer distância, ao preço de uma passagem de primeira classe, considerada do mesmo ponto de embarque de gado.

Óra, parece-nos que a cotação desse transporte está assaz elevadíssima, pois equiparando-se ao custo de uma passagem de primeira classe, já se vê que deverá custar uma pequena fortuna.

Pode parecer, à primeira vista, que está explorando os bois e as vacas, justo no momento extremo; isto é, quando são conduzidos para o matadouro. Sucede, entretanto, que a exploração não incide propriamente sôbre os bois, porque os bois (e não as vacas) não arcam com as citadas despesas. Quem está sendo explorado, nesse caso, é o próprio povo, como sempre, porque o “móto contínuo” da inflação ricocheteia sempre sôbre os costados do “zé povinho”. Senão, vejamos: Custando caro o transporte, o intermediário alega pagar mais alto ao pecuarista; as pecuárias também tiram “uma casquinha” da situação, seguidos pelos distribuidores e pelos marchantes. Quando um “pezinho” de carne chega à cosinha de uma residência, para ser temperado e ir para a frigideira, o custo em cruzeiros, tomando-se por base aquelas gramas registradas pela balança, mais os “cálculos rápidos” do açougueiro e multiplicando-se tudo isso, verificar-se-á com extraordinária facilidade, que o boi foi embarcado custando o preço “x”, terminou com seu custo multiplicado por algumas vezes mais!

E o pior disso tudo, é que o boi paga o preço de uma passagem de primeira classe, viajando em vagão de boi mesmo. De pé, sem leito, sem direito a ir ao carro-restaurante! Será que estão explorando os bois?

Uma coisa, justiça seja feita, a Sorocabana procede nesse particular, ao transportar os bois em vagões de boi mesmo, apesar de cobrar o custo equivalente de uma passagem de primeira classe: é que os bois darão, certamente, pouco trabalho para serem abatidos, pois chegaram em São Paulo como nós, os homens: mais mortos do que vivos!

A pergunta continua a ser repetida: Será que estão explorando os bois? Ou será que nós, o povo, é que estamos sendo indiretamente explorados?

Extraído do Correio de Marília de 17 de junho de 1959

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