Uma história (12 de maio de 1959)

ÉPOCA: presente.

LOCAL: Marília.

O menino, quartanista primário, chegou eufórico em casa, após a aula. E anunciou que sua escola iria fundar um jornalzinho e que ele, como os demais colegas, deveria “escrever um artigo”.

O pai, homem atarefado, eterno escravo do relógio, pouca importância ligou ao fato.

Dias depois, o menino solicitou ao pai, a orientação “de como escrever um artigo”. Mesmo sendo jornalista, o homem viu-se em dificuldade em esplicar a um garoto mal entrada no quarto ano primário, o processo de “como escrever um artigo”. Disse-lhe apenas: “Pense num motivo e escreva-o com naturalidade, sem plágio ou sem utilização de terceiros mais competentes ou mais competentes ou mais enfronhados no assunto”.

O garoto não se deu por vencido; quiz a corrigenda do escrito, quiz a orientação-base da idéia.

O pai foi intransigente. Justificou que a medida seria desonesta, pois artigo considerado “bom”, de filho de jornalista, daria, inevitavelmente, motivos a pensar que “o dedo do pai” alí estivera presente.

O menino não desanimou. Escreveu seu artigo, como pode e como soube. Submeteu-o, ao crivo da administração do pequeno órgão. E o escrito foi publicado.

Mais tarde, o pai do menino viu o artigo dêste e outros, de pequenas idênticas possibilidades intelectuais. Analisando os teores diversos, o índice do vernáculo, os motivos abordados, as maneiras como foram os mesmos desenvolvidos, a eiva de conhecimentos além de instruções-primária contidos, calculou que não houvera, no caso do garotinho persistente, medidas similares.

Para o homem, experimentado na vida, “raposa velha” na arte de escrever, foi fácil o perceber que nem todos os meninos que escreveram no jornalzinho referido, delinearam alí as suas idéias infantis em formação. Artigos foram inseridos, demonstrando conhecimentos científicos além dos ministrados na terceira série ginasial, incompatíveis, portanto, com qualquer programa primário do Brasil.

O que poderia deduzir a respeito? Que alguns artigos alí escritos e inseridos, não foram de autoria integral das crianças que os assinaram.

Assim, lógico é, o menor nessa condições, principiou a enveredar por um caminho destituído de auto-confiança, “escorado” pela sabedoria de uma terceira pessoa, “encostando o corpo”, justamente numa época e idade em que deve tudo ser feito para o aprimoramento de sua formação moral e intelectual.

Se tal processo fosse usado constantemente, só se revelariam os mais capazes, os mais idealistas, os mais compenetrados e concentrados na responsabilidade atribuída. Verdade é que não haveria nada de desdouro, num garoto ser menos incompetente do que o outro nos estudos ou na parte redacional de “um artigo para um jornal”.

Entretanto, se se pudesse contar (honestamente) com o auxílio de pessoas estranhas (mesmo sendo parentes), os filhos de advogados, médicos, engenheiros, jornalistas, etc., “escreveriam” melhor do que os filhos de carpinteiros, pedreiros, comerciários, industriários, etc..

Necessário se torna, que todos os pais de meninos nas condições referidas na presente crônica, atentem para o fato em apreço, que obriguem seus filhos a “puxarem pela memória”, sem o auxílio palpável deles próprios ou de terceiros, a fim de que os garotos não cresçam com complexos de saber à custa dos próprios progenitores.

Os benefícios serão colhidos no futuro, pelos próprios alunos que se esforçarem por si próprios, sem contar com “auxílios” disfarçados em fórma de correção. E a consciência dos pais, amigos ou parentes, estará perfeitamente leve, ao apreciar os escritos naturais e simples dos garotos estimados.

Como dissemos, o pai do garotinho releu o pequeno jornal, admirou-o em todos os seus detalhes, lovou intimamente seus idealizadores e seus propugnadores (mercê de sua experiência de imprensa). E percebeu, com extraordinária facilidade, os artigos “corrigidos” simplesmente e os “feitos” ou “acertados” deslealmente para com os próprios meninos que assinaram seus nomes, que apresentaram os escritos como sendo deles, muitos nem siquer sabendo o que significam certas orações ou determinadas palavras!

Talvez não tivesse havido nenhuma intenção de maldade nos casos referidos. Mas é bom que seja o assunto observado, para bem da própria garotada.

A história é verídica.

Extraído do Correio de Marília de 12 de maio de 1959

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