Produção & Lucros (24 de maio de 1959)

Não foram poucos os govêrnos, que, em suas plataformas políticas, focalizaram de maneira entusiástica, o trinômio “produção, transportes, alimentação”.

Igualmente não foram poucas as explorações que em tôrno dêsse verdadeiro conjunto étnico giraram, dando “cartaz” a alguns e “acabando com a saúde” de outros.

Pelo que vimos até aqui, desde que nos conhecemos por gente, nesse particular, foi exatamente algo de abjeto, algo de descontrolado, muito de condenável. No Brasil, desgraçadamente, mercê do desapôio à lavoura e em virtude da falta de amparo oficial no que tange ao financiamento, fornecimento de sementes, adubos e inseticidas, sem contar-se com as dificuldades de obtenção e os preços proibitivos de máquinas e implementos, as coisas caminham para traz, como os caranguejos. Quando maior é a safra anual de determinados cereais, mais caro se torna o produto e mais ricos ficam os intermediários, empobrecendo-se mais ainda os produtores, principalmente os pequenos.

Quando o problema se apresenta sob outra faceta, isto é, quando a produção “aparenta” ser insuficiente para o consumo interno, de determinadas regiões, recorre-se ao sistema de “importação interna”, proporcionando, em certos casos, maiores e melhores lucros aos intermediários, que desviam as mercadorias, por diversos tipos de transporte, para os centros onde a falta é mais acentuada, os preços melhores e o dinheiro mais sonante.

De qualquer modo, o público consumidor é o que sempre “paga o pato” com essa “marmelada” tôda, com essa falta de desgoverno.

Hoje em dia, o fenômeno da ganância não tem paralelo. O intermediário (salvo os que não podem fazer mais porque o capital ou o crédito não sejam mais elásticos), com poucas exceções honrosas, não tem limites à ganância de lucros. Vez por outra, tomamos conhecimentos de “estouros” comerciais dêsse jaez.

Com respeito a êsses “estouros”, justo é que se procure no fundo da análise serena e neutra, as razões. Não raro, o acontecimento não foi marcado únicamente por uma “falta de sorte”, por uma “infelicidade”; o fato teve outra origem: o comerciante intermediário, parafusou planos por demais elevados; empregou a fortuna que dispunha e a que não dispunha também, não com o fito de abastecer o mercado, mas com o intuito de ganhar numa só safra, o que deveria ganhar em cinco ou dez anos. Pode dar-se o caso de que, no ano em aprêço, “o tempo correr bem” e a “coincidência” de “todo mundo” plantar em maior escala um único tipo de cereal. Então desmoronam-se os castelos da ambição desmedida. Os compromissos assumidos e os “financiamentos” oficiosos (que objetivaram prender as safras dos produtores, antes de revestirem-se daquele verdadeiro sentimento e do espírito de auxílio), obrigam os comerciantes dêsse tipo, a “aceitarem” as colheitas. Os armazéns se abarrotam e a saída torna-se ínfima, por dois motivos: porque a safra satisfez e porque havendo fartura, os preços não podem ser ditados a bel prazer e como muitas pessoas não se contentam com u’a margem de lucros de fundo real e razoável, querendo verdadeiras grandezas (embora com “choradeiras”), verificam-se os “encalhes”, ao mesmo tempo que os compromissos prescrevem em seus prazos.

Tudo isso, é um fenômeno crônico no Brasil e nenhum govêrno, até hoje conseguiu contornar a situação, porque não existiu ainda, na prática, um plano de equidade produtiva, com respeito a divisões ou sub-divisões regionais, considerando-se o consumo e uma porcentagem acima, que poderia ser exportada, conforme o caso. Porque, também, jamais existiu na realidade, na prática e com autêntica e séria fiscalização, a ação governamental que além de financiar e facilitar os pequenos produtores, lhes garantisse o preço mínimo, discriminando na ocasião o preço máximo do produto para o mercado consumidor, fixando, é lógico, o lucro honesto para os intermediários, os atacadistas e varejistas.

Sem isso, nada feito.

Extraído do Correio de Marília de 24 de maio de 1959

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