Racismo na África? (15 de abril de 1959)

O assunto até parece uma piada e das boas. Na África, que o bêrco da raça negra, existe preconceito racial e em certos pontos, “guerra branca”, frontalmente aberta contra os pretos!

É difícil de acreditar, mas é a verdade. Dois “casos” foram criados contra esportistas negros, e, por coincidência, lógo com pretos brasileiros. Primeiro, foi a seleção de bola ao cêsto da Sociedade Esportiva Palmeiras, que ficou inibida de que seus craques de côr se apresentassem aos africanos. Agora, idêntifica ostensiva medida racial acaba de ser imposta ao time de futebol da Associação Atlética Portuguesa, de Santos, que teve que deixar detidos no navio, alguns de seus jogadores de côr.

O assunto parecia que iria passar desapercebido; entretanto, tornou-se público, revoltou meio mundo e acabou de chegar ao conhecimento do próprio Ministério das Relações Exteriores e mesmo à ciência do Presidente Kubitschek.

Muito se falou sôbre o assunto.

Muito se falará ainda, pois a questão é mesmo daquele molde que se chama “dar panos pra mangas”. Óra, então já se viu, lógo no país de origem da praça negra, existir êsse quasi inacreditável e sob todos os pontos de vista injustificável preconceito racial?

As duas representações brasileiras, co-participaram talvez involuntariamente desse estado de coisas. Ou porque a urgência dos compromissos previamente elaborados não o permitisse ou porque a primeira análise não chamasse as atenções dos responsáveis pela delegações referidas, da gravidade e repercussão do fato, o que é certo, é que obraram mal as equipes que se sujeitaram a tão abominável exigência. Principalmente para nós, brasileiros, onde pretos e brancos se irmanaram em todos os sentidos e onde todos tem direitos iguais, previstos pela própria Constituição Federal.

Não poderiam as pessoas responsáveis pelas delegações em referência, sob condição alguma, pactuar com tal exigência e nem dobrar as espinhas à imposição dêsse jaez.

É profundamente lamentável esse fato, que, sob certo aspecto de humanidade se constitui num verdadeiro crime. Ademais, é incrível mesmo, pelas circunstâncias originárias de local – lógo na África!

Nos próprios Estados Unidos, onde a pressão contra os negros sempre existiu e já hoje é considerada tradicional, jamais se verificou um fato de idênticas proporções. Mesmo na Alemanha e no tempo de Hitler, quando do “preparo” da “raça ariana pura”, ninguém ousaria cometer tamanha barbaridade contra pretos de outras nações, que, por quaisquer motivos, alí parassem ou por aquele país passassem.

Que o fato sirva de lição e que delegações esportivas nacionais, para o futuro, já sabedoras desses lamentáveis inconvenientes, se precavenham, encarando menos a parte das finanças do clube, do que a tradicional orientação de fraternidade brasileira, onde todos, pretos e brancos são iguais.

Poderíamos aceitar essa imposição racista de qualquer outra nação, mas nunca da África.

Éssa, não!

Extraído do Correio de Marília de 15 de abril de 1959

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