A voz da natureza (20 de janeiro de 1959)

A não ser que o indivíduo seja extremamente cético, dando-se o trabalho de observar, no lufa lufa comum e no borborinho das próprias contingências da vida, verificará que, dentre as próprias maravilhas da natureza, a concepção de compreensão e reconhecimento de vários classificados como irracionais,, é simples coisa de fabulosa.

Lembramo-nos do caso do burrinho “Canário”, “artista” de um circo de cavalinhos, que adivinhava a idade das pessoas e até as cores das roupas de baixo de indivíduos. Também de cavalos e cachorros amestrados, comumente exibidos em casas de diversão de tal jaez.

É certo que tudo isso é consequência de um treinamento persistente. Mas é também certo que o poder de assimilação de certos animais é um fato.

Até os cães de caça, por vezes, parecem raciocinar mais rapidamente que o sêr humano.

Temos visto histórias verdadeiramente comovente de cães pastores e cães “São Bernardo”, no salvamento de pessoas, em casos de enchentes ou incêndios. O cão, hoje, auxilia de maneira efetiva a polícia adiantada de todo o mundo.

É a voz da natureza, a assopram as orelhas dos irracionais. É a prova da existência de um Deus superior e único.

Ocorreu-nos isto, ao conhecermos um cãozinho “vira lata”, dêsses que não receberam “educação especial”; que não é tratado com banhos diários, nem perfumado; que não dorme em “bercinhos” especiais, não é conduzido por madames grãfinas ou criadas idem, para o clássico “passeiozinho” das tardes.

É um cão dos mais comum. Sai da casa quando bem entende, indo para onde bem quer, sendo senhor absoluto do seu nariz. Mete-se em algazarras de cães de rua, toma parte em arruaças e brigas, base e apanha também.

Anda sempre sujo e banhos só conhece mesmo os de chuva; enfim, é um pulgueiro ambulante.

Mas êsse cachorro tem lá o seu sentimento de brios e procura retribuir o calos do lar que o acolheu, à sua moda; se está na rua, nas imediações da residência de seus amos, divisa de longe o dono da casa e corre a fazer-lhe festas, dando-lhe as boas vindas. E então abandona seus companheiros e vai até a casa.

A qualidade primordial dêsse cachorrinho, que ninguém ensinou, a não ver a voz da natureza, é o seu instinto de proteger os filhos dos donos. Sabe distinguir uma brincadeira de “agarra-agarra” entre meninos, de uma “briguinha” de crianças. No primeiro caso, limita-se a ficar olhando; na segunda hipótese, avança no adversário dos filhos do amo, estejam êstes levando ou não desvantagem na briguinha.

Nem os pais podem bater nos filhos, embora êles mereçam, porque o cãozinho não permite, avançando mesmo nos próprios donos. E não recua, mesmo apanhando. Mantem-se firme como um herói, fiel ao seu propósito de defender os menores!

Quando chegam visitas na casa do dono do citado cachorro, êle corre meter-se sob o berço da menor criança. E ali fica, impedindo ameaçadoramente, que a pessoa estranha se aproxime da caminha da criança. E o faz de modo positivo, desrespeitando mesmo as ordens do amo, para que saia da casa! Não abandona o posto, enquanto a visita não se retirar. E mesmo assim, acompanha-a silencioso e calmo, até a rua, para ter a certeza do afastamento. Depois volta novamente, para verificar se a criança sua protegida está em ordem. E então, só então, é que se afasta para a sua vidinha normal.

Sozinho, não permanece no quintal à noite, enquanto a casa estiver aberta e seus amos acordados. Fica sempre à frente da residência nessas ocasiões, só indo para o quintal, depois da chegada do dono. E quando acontece que o amo se esquece de encaminhá-lo para os fundos, fechando a porta da rua, arranha a porta, latindo, não parando de chorar enquanto não for colocado no quintal, onde permanece vigilante.

Não é extraordinária a voz da natureza?

Extraído do Correio de Marília de 20 de janeiro de 1959

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