O Natal dos pobres (27 de dezembro de 1958)

Repetiram-se em Marília, como sói acontecer todos os anos, em igual dia, as manifestações de solidariedade humana e confraternização universal e cristã, com os intentos de oferecimento de pequenos óbulos em alimentos, aos pobres da cidade.

As igrejas de diversas seitas, procuraram desincumbir-se de seus papéis a respeito, obedecendo os preceitos de bondade e piedade do próprio Nazareno.

Na manhã do Grande Dia da Cristandade, por iniciativa das Conferências Vicentinas da cidade, em plena Avenida Sampaio Vidal, cerca de 1.500 pacotes contendo um pouquinho de gêneros alimentícios diversos, foram distribuídos entre os pobres.

A respeito, ouvimos de parte do povo que se ocupava a observar os “bichas” da miséria estendidas pela Avenida e descendo a Rua 9 de Julho, comentários dos mais desencontrados. Afirmavam uns, ser deprimente o espetáculo, dizendo afirmativas referentes ao espírito de organização que estava deixando a desejar, com gente maltrapilha e miserável, permanecendo horas seguidas nas filas intermináveis. E ainda avançavam em pontos de vista, acrescentando que muitas mulheres tinham, forçosamente, sacrificado o horário do almoço, para candidatar-se a um óbulo de insignificante representação.

Certo é que, apenas nêsse particular, têm razão os que assim afirmaram ou os que assim pensaram. Entretanto, à muitos, escapou a principal observação: Existe a miséria, existe a pobresa, em proporções mais alarmantes do que seria de imaginar à primeira vista. E, na missão dêsse mister, muitas trabalharam com afinco, desinteressadamente, abnegadamente, fazendo o possível. E naquêles pacotes, embora pequenos, estavam contidas as boas intenções e a cooperação de milhares de marilienses, muitos dos quais também pobres, porém de altruístico espírito caritativo.

Gostaríamos de saber, se os que se deram ao luxo de condenar abertamente, haviam realizado alguma coisa em pról da pobresa local.

Por certo, muitos daquêles que tão abertamente censuraram o espetáculo, como deprimente e “feio”, poderiam ter doado alguma pequena quantia de gêneros, ou alguma pequena importância em dinheiro, não como uma obrigação cristã, mas simplesmente como um “dever social”, uma atitude de “não desagrado” tão sòmente.

Não poderia mesmo haver beleza num espetáculo de miséria humana. Pelo menos para os olhos cristãos.

Mas havia ali uma outra beleza, mais elevada, mais fácil de ser compreendida pelos pobres, embora nem todos estivessem nas filas: a beleza da alma, a beleza da solidariedade!

Fato é, conforme dissemos, que notamos uma grande demora e regular balbúrdia, no setor da organização, cuja demora da distribuição foi bastante acentuada. No entanto, conveniente é que se considere a dificuldade em organizar-se e lidar-se com o povo em grande número, maximé faminto.

Não devem merecer censuras e sim louvores, os que pretendam servir ao próximo, especialmente os que, no Dia de Natal, se empenham em proporcionar uma passagem, senão completa, pelo menos mais esperançosa e um pouquinho mais alegre. Justo é que se compreenda, que impossível seria uma coisa melhor, porque essa coisa melhor decorreria, inegavelmente, do apoio geral e o apoio geral apresentado, nada mais permitiu fazer do que aquilo que foi feito.

Ao par disso, inegável é, existiu o alto espírito de piedade cristã e tal fato ninguém poderá contestar.

Extraído do Correio de Marília de 27 de dezembro de 1958

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