Natal de póbre é um martírio (23 de dezembro de 1958)

Cada ano que passa, mais angustiante se torna para os pobres, a passagem da data magna da Cristandade.

O Dia de Natal, que pelo seu excelso significado, deve representar um dos maiores motivos de alegria de todo o ano, especialmente na concepção dos cristãos, transforma-se, atualmente, numa data de constrangimento, e, sem exagero, em certos, casos, de profundo desgosto.

A tradição da mesa farta, com artigos convencionadamente chamados de “próprios” a necessidade inadiável da aquisição de um presentinho para as crianças, o costume da compra de um par de sapatos novos, um vestido também novo ou mesmo uma simples camisa, representam, hoje em dia, para as bolsas dos menos favorecidos pela fortuna, verdadeiros espectros, abjetas preocupações.

Um pai de família, por exemplo, com quatro ou cinco filhos e mesmo ganhando mais do que o famigerado salário mínimo, não pode, em circunstância nenhuma, adquirir nada que se coadune com a passagem dêsse grande Dia.

Muitas pessoas, pretenderam adquirir um par de sapatinhos ou uma roupinha nova para os filhos, na ocasião da Data da Cristandade. Três ou quatro pares de calçados, do tipo “popular” (mesmo porque não existem sapatinhos do tipo “miserável”), ficam rondando a casa dos 2 mil cruzeiros. Não um terninho, mas simplesmente a fazenda (de “segunda” e da mais barata imaginável), para um feitio de roupa “a martelo”, sem muitos enfeitos, sem botões caros, etc., ultrapassa a importância de 200 cruzeiros. E sairá um “terninho” que significará uma afronta ao próprio substantivo! Óra, só aí, para uma família de quatro ou cinco crianças, já terá o pai pobre que dispender, aproximadamente, 3 mil cruzeiros, ou seja, quase o ordenado do mês de dezembro. Acrescente-se a isso, a carência da aquisição de um vestido para a esposa, a identificada e desfibrada esposa do pobre. Ou um par de sapatos (às vezes uma simples sandália – o que hoje custa o preço de um sapato de primeira há pouco tempo atrás). Ou uma camisa para o chefe da família (hoje quase pelo preço de um terno de boa casimira há 10 anos passados).

A isso tudo, acrescente-se a urgência de alguns brinquedinhos, pois mesmo filho de pobre é filho de Deus. Qualquer que seja o brinquedo, por mais simples, banal e ordinário, custa os “olhos da cara”. E filho de pobre que não ganha seu presentinho de Papai Noel, não consegue ocultar o sentimento misto de revolta a incompreensão, que lhe domina o pequenino sêr, quando nêsse grandioso Dia de Natal, vê a criançada tôda, eufórica nas ruas, exibindo brinquedos e comparando-os entre si. Cresce, por força das circunstancias, com complexos e recalques, que, sob nenhuma desculpa, podem ser condenados.

Agora, a necessidade de, no mínimo, um almoço melhor, nem que seja uma pequena variação no indefectível prato “padrão” dos brasileiros (principalmente os pobres), que é o batidíssimo feijão com arroz. Frango? Leitoas? Perús? Não; apenas um pouco de macarrão, apenas um pedacinho a mais de carne de vaca; um guaraná para as crianças e talvez um copo de cerveja ou de vinho vagabundo para os adultos.

Qualquer pessoa poderá fazer êsse cálculo e verá com extraordinária facilidade matemática, como será o Natal do Pobre êste ano.

E não computamos nessa conta, por significar uma “abusiva pretensão”, a compra de algumas castanhas, nozes, figos, avelãs, ou passas! Isso não está nas cogitações dos pobres, pelos preços verdadeiramente proibitivos que apresentam.

As comparações acima ficaram dentro do plano da vida puramente normal. Já imaginaram os leitores, que, além dêsses fatos apontados e que ninguém poderá refutá-los, se um pai de família com 4 ou 5 filhos passará um mês sem precisar de médico e farmácia? E igualmente imaginaram em quanto importa uma simples consulta e uma simples receita médica?

Depois de amanhã será o Dia de Natal. A grande Data, transformar-se-á num martírio, num verdadeiro pesadelo, para muita gente.

Infelizmente!

Extraído do Correio de Marília de 23 de dezembro de 1958

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