Gritas sem razão (3 de dezembro de 1958)

Nosso colega Antônio Fernão de Magalhães, num de seus brilhantes artigos há pouco publicado neste jornal, fez referências à mocidade mariliense e à falta de meios de diversão ou preocupação da mesma.

Não têm razão total, os rapazes que se queixaram ao nosso prezado companheiro. Marília, de fato, é uma cidade pobre no chamado sentido de oferecimento divertivo aos seus filhos. Entretanto, considerando-se a sua idade, Marília ostenta lugar de maior projeção do que muitas de suas irmãs mais velhas e de maiores recursos.

Vejamos: a mocidade clama, porque é u’a mocidade diferente. Diversão de moço de hoje, regra geral, é excesso em qualquer sentido. Comedimento quase não existe.

Temos uma bem organizada Biblioteca Pública, só procurada em último recurso pelos estudantes, como extrema fonte de consultas. Temos uma Sociedade Luso Brasileira, com suas portas abertas, boas discos e aceitável biblioteca. Temos uma piscina regulamentar no Yara Clube. Temos bailes todos os sábados e “brincadeiras” todos os domingos. Temos diariamente meia dúzia de sessões cinematográficas (embora não satisfatórias no que diz respeito à distribuição de filmes). Temos uma Delegacia de Esportes e Educação Física, que vive a queixar-se ante o desinterêsse flagrante da mocidade mariliense, pela cultura física e recreação do corpo, alheiando-se completamente ao esporte amador. Possuímos uma esplêndida Liga Municipal de Futebol, etc..

Não sabemos o que pretendem êsses queixosos. A maioria, pouco estuda. A preocupação que apresenta é a de “passar de ano” apenas, ostentar um diploma, pouco se importando (com raras exceções) se poderá orgulhar-se ou não do título recebido.

Outro dia, presenciamos um fato interessante: o ciclo noturno do ginásio estadual foi dispensado na véspera dos exames, para proporcionar aos seus alunos dos diversos cursos, oportunidade de melhor preparo técnico e teórico com respeito às provas. Dezenas e dezenas de alunos saíram correndo do ginásio e rumaram para os cinemas. Um Comissário de Menores, assustado com a anomalia, procurou entrar em contacto com o diretor do estabelecimento, a fim de saber as razões daquela estranha afluência. Foi inteirado do fato acima e constatou que os próprios alunos, ao invés de aproveitarem a folga para o fim especifico, desvirtuaram a sua finalidade.

Antônio Fernão de Magalhães deveria, na ocasião em que os jovens lhe reclamaram acêrca de falta de divertimentos para a mocidade mariliense de hoje, deveria saber quais as pretensões dessas pessoas. Ou será que êsses moços se incluem no ról dos que como divertimento, dançar o “rock and roll”, tomar entorpecentes, roubar carros e outras coisas?

Somos capazes de apostar que os que se queixaram assim ao Antônio Fernão são filhos de “gente bem” ou então filhos de gente remediada. Filho de pobre, em geral, trabalha e estuda. E sabe discernir a situação, sabe distribuir o tempo, saber aproveitar suas folgas.

Gritas dêsse jaez, são sem razão. E não venham dizer-nos que nós já estamos velhos e não aprovamos o excesso de energia e entusiasmo da mocidade. Absolutamente. Primeiro, porque não somos velhos; segundo, porque já vivemos a vida da mocidade de hoje e em nosso tempo “as comidas” era(m) diferentes, terceiro, porque os que assim gritaram não têm razão nenhuma... ou será que além dos tópicos anteriormente apontados, esses jovens desejariam casinos, jogatinas, caberés tipo “Pigalle”?

Para muitos casos conhecidos de todos nós, não só em Marília mas em todo o Brasil e especialmente na Capital, o que faz falta, não é a diversão pretendida pelos moços, mas sim um pai tipo ditador, daqueles que sua voz em casa é respeitada e trabalho de fato... principalmente trabalho.

Extraído do Correio de Marília de 3 de dezembro de 1958

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