A questão de querer compreender... (21 de novembro de 1958)

Recebemos, há muitos dias, uma carta. Foi antes de interrompermos as nossas atividades, em virtude da mudança de endereço dêste jornal. A carta abordou alguns de nossos escritos, acêrca da administração do atual Presidente da República. Continuou a deixar-nos em dúvida: ou existem muitos fãs do sr. JK em Marília, ou existe um apenas, com a condição de teimoso, que se utiliza de todos os métodos, inclusive do disfarce, para nos contradizer.

Nós não somos contra o sr. Juscelino Kubitschek, repetimos. Somos contra o atual Govêrno da República, cargo e não homem.

Não somos estudiosos no assunto. Não somos matemáticos, financistas, observadores atinados. Somos apenas, uma pequena fração do povo. Sentimos como todos, os dissabores, as angústias, as decepções, o clima de insegurança, a ameaça do cáos moral e econômico. Sentimos que alguma coisa não está bem. Sentimos que essa “coisa que não está bem” é uma consequência direta da má rota do atual govêrno, ou melhor, do desgovêrno atual.

A carta que nos referimos é delicada. Bonita mesmo. Gentil, para sermos mais claros. Gostamos do seu teor, mas não concordamos com seu conteúdo. Não nos convenceu e acreditamos não nos convencerá.

Repetimos o que já dissemos: o sr. Juscelino Kubitschek foi, e está sendo, em nosso entender, o pior Govêrno que o Brasil já teve desde que usufruiu a condição de República; isto é, desde 1.889.

Não que tenhamos ojeriza pelo antigo prefeito de Belo Horizonte. Mas é uma coisa “que não entra”, como se diz vulgarmente. Não vimos um motivo sequer que nos autorizasse a pensar o contrário.

O que é o atual Govêrno do Brasil?

A construção de Brasília (que nós combatemos, não em sua idéia ou essência, mas no processo com que se pretendeu), é um absurdo. O povo terá um palácio, um aeroporto, cercado de choupanas, e misérias ao mesmo tempo.

A instabilidade financeira do país, com a “quebra” de diversos bancos, é o reflexo direto da má orientação governamental e a insegurança do patrimônio privado.

O reintegramento de um oficial que foi espião nazista, com os mesmos direitos daquêles que permanecem nas fileiras do Exército já 30 ou mais anos, é alguma coisa de desastroso, principalmente tendo-se em conta que sargentos da FEB não podem ser reincluidos e promovidos a oficial, para nos prejudicar antigos militares.

Os banquetes governamentais faustosos, num país onde o povo passa fome, organizados pelo próprio Presidente da República, são sinal indiscutível de desumanidade.

As viagens constantes (no mínimo vinte em cada mês), deixando ao abandono o leme da nação, não nos credenciam a aceitar o sr. JK como um bom e bem interessado Govêrno, afeito aos interêsses do povo brasileiro e auscultando e estudando suas misérias e suas necessidades.

Os movimentos grevistas, surgidos em diversos Estados, autorizam-nos a responsabilizar o próprio sr. Juscelino Kubitschek pela desordem, desarmonia e desorganização imperante.

Os aumentos inequânimes de funcionários públicos e militares, igualmente, nos dão o direito de crer que o atual Presidente da República, em que pese o têrmo preceitual da Constituição de 1946, não manda ou não quer mandar (democraticamente, bem entendido), no Brasil que Pedro Álvares Cabral descobriu por um simples acaso da própria sorte.

Sinceramente, até hoje, não vimos nada que nos convencesse a julgar o sr. JK como um bom govêrno. Talvez possamos ver êsse desejo ainda no futuro, porém, até agora êle se encontra “no tinteiro”.

A questão é querer compreender. Nós a compreendemos. Pena é que os fanáticos e apaixonados não pensem assim e como tal não a compreendam e nem tentem interpretá-la.

Fala-se agora da providência governamental, congelando e estabilizando o custo dos gêneros de primeira necessidade. Oxalá o sr. Kubitschek consiga fazer isso em pról do povo brasileiro.

Oxalá.

Extraído do Correio de Marília de 21 de novembro de 1958

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