O colunismo Social (25 de novembro de 1958)

Noticiar fatos ocorridos dentro da sociedade, é missão imprescindível de todo e qualquer órgão de divulgação. Seja jornal ou rádio, é veículo tem o dever de noticiar o que acontece, dentro do raio de suas ações. Entretanto entre o noticiar e o nortear e insinuar, existe uma diferença enorme.

O colunismo social de hoje em dia, principalmente nos órgãos de imprensa de São Paulo e Rio de Janeiro, em que pese a força e os resultados comprovados, constitui-se num verdadeiro cancro, prejudicial à própria moral e índole de nosso povo.

Revolta a qualquer sêr, especialmente aquêles que constituem a maioria e que não se incluem na “panelinha”da absurdamente chamada “gente bem”, as notícias dêsse timbre. Só interessam, de fato, a u’a minoria (minoria pequena, sem redundância, sem pleonasmo). Só interessa de direito, a um grupo de boas vidas, não afeito ao “batente”, desconhecedor do “basquete”, ignorante da luta cotidiana pelo ganha pão do pobre, “boa vida” habituada ao “dolce far niente”, acostumada a dispor de milhões em bacanais e noitadas inúteis, sem tentar perceber a miséria que impera por todo o país, a fome negra, o cáos econômico. Porque quanto pior a situação para o pobre, melhor a condição do rico, uma vez que a inflação beneficia os potentados, valorizando seus patrimônios, os preços de produção, os gigantescos estoques.

O colunismo social, chega hoje a prejudicar até o pobre. Dita normas e norteia, cujos reflexos atingem tôda a nação. Determina a maneira do homem ou mulher (principalmente a mulher) vestirem-se. Escolhe na dura, sugerindo na aparência ou no conceito, os trajes diversos em face das estações do ano, das solenidades ou do local. Influi diretamente na vida geral do nosso povo.

Determina modêlos, padrões, espécies. Brincos, jóias, sapatos e até decotes, o colunismo social especifica com autoridade que êle mesmo se outorgou. E a gente é quem sofre com isso. No casamento, entra direta a opinião da “moda”, muitas vezes ditada por um sofisticado colunista social, cuja condição de bom homem há quem ponha em dúvida. E o resultado alastra-se como um óleo sôbre a correnteza de um rio. Tanto assim, que a maioria das noivas, preocupa-se hoje em dia mais com o vestido da cerimônia do que propriamente com o futuro, com o caráter do noivo, com o dia de amanhã. Gasta-se verdadeira fortuna, com o feitio de um vestido que será usado especificamente poucas horas e que do uso do mesmo só restará uma fotografia.

Os colunistas sociais, descrevendo e insinuando detalhe por detalhe da “toilette” da “Madame Abóbora” ou “Srta. Recalque”, registrando sencerimoniosamente, com “grande contentamento” ou “sincero desprazer” num espírito de observação que ultrapassou o “paralelo 38” da curiosidade natural, transformam-se em “Raio X” sôbre a espôsa e filha dos outros e em líderes absolutos e orientadores incontestes do que é exato.

E obtém os resultados, porque o número dos trouxas (e das trouxas, principalmente), é bem grandinho por aqui nestes Brasís.

Com êsse negócio todo, surgem absurdos em modêlos, chamados pelos que possuem “água de côco” na cabeça, de verdadeiras obras de arte.

Sentimos um certo asco ao lermos os noticiários a respeito... “A senhora Y, apresentando um vestido de organdí salpicado, com um sobrepôsto imitando um “V” a descer-lhe além da cintura, manga “raglam”, decote triangonal e aberto nas costas em forma de lozango, com dois brincos portugueses em estilo chinês, três colares, sendo um de pérolas naturais, um incrustado em brilhantes e outro, muito gracioso e delicado em ouro e platina. Nas mãos, cinco riquíssimos anéis, um relógio coberto de diamantes, um leque de finíssima confecção japonesa, sapatos de couro de castor, polvilhados com pequenas pedras de duas cores e lindíssimas meias de vidro nylon importadas dos Estados Unidos...”. Por aí já se viu que o colunista adivinhou até a roupa de baixo da senhora Y...

E o sofisticado colunista continua: “...acompanhada de seu esposo, o Comendador Balduino, que trajava um elegantíssimo costume de “frescotine” inglês legitimo, com camisa de gorgorão original da Itália e peitilho de linho do Panamá, gravada de seda japonesa, botões de ouro na camisa, cinta de legítimo crocodilo africano, sapatos de couro de castor dos Andes, meias de naylon inglês e legas filadas de ouro, fabricadas na Inglaterra...” Já se viu também: o colunista advinhou a marca, o número e côr das cuécas do focalizado!

E, na realidade, o Comendador Balduino e a Senhora Y, casados no civil e no religioso, são, em casa, como “cão e gato”...

Extraído do Correio de Marília de 25 de novembro de 1958

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