Curso de jornalismo (29 de novembro de 1958)

Às vezes, acontece. Numa circunstância qualquer, uma pergunta qualquer, de aparência simples ou inocente, pode embaraçar um indivíduo.

Sucedeu conosco tal fato, ainda há poucos dias.

Uma pessoa nos parou na rua. Pessoa que embora conhecêssemos de vista, jamais soubemos o nome e onde trabalha, ou quem é a sua família. Enfim, um mariliense comum. Desculpando-se pela interrupção de nossa caminhada, nosso interlocutor fez questão de confessar-se ledor de nossos escritos e nos atirou, “de corpo presente”, uma carroçada de elogios. Pela abundância de adjetivos com que fomos mimoseados, quase chegamos a crer que David Nasser, Assis Chateaubriand e outros “cobras” fossem “café xicrinha” perto de nós.

Mas, como dizíamos, as perguntas às vezes embaraçam, mesmo sendo banais. Nosso amigo espontâneo, em dado momento da palestra nos perguntou: “Como você aprendeu a escrever?”

Pensando que se tratasse de brincadeira, uma vez que a pergunta nos deixara em situação um tanto esdrúxula, levamos o caso pelo lado que o interpretamos e respondemos que tínhamos aprendido a escrever no grupo escolar.

O homem não se deu por achado e esclareceu melhor seu pensamento: quís saber qual o curso de jornalismo que ostentamos e quando e onde começamos a escrever. E foi mais adiante, dizendo que nós (o autor destas linhas) deveríamos fundar em Marília um curso de jornalismo!

Percebendo que a pessoa falava sério, apressamo-nos em esclarecer-lhe que um curso de jornalismo, embora de duração inferior aos estudos universitários, equipara-se e ultrapassa em certas ocasiões os citados cursos. E que, da mesma maneira que a medicina, engenharia, advocacia, etc., nem todos os que realizam tal curso conseguem sair bons jornalistas, assim como muitos médicos, advogados, engenheiros, etc., que embora diplomados por escolas de renome, jamais deixam de apresentar a condição de profissionais medíocres ou de apagada projeção. Portanto, a questão no caso tem muita relatividade. Ademais, no Brasil, poucos cursos de jornalismo funcionam e poucas pessoas dispõem de meios, vontade e abnegação para realizá-los. A maioria dos bons jornalistas já nasceu feita, embora seus diplomas profissionais, quase geral, sejam de advogados, professores, médicos, engenheiros, etc..

Nosso interlocutor mostrou admiração quando lhe afirmamos que nós nem de vista conhecemos uma escola de jornalismo. E que a maioria dos profissionais de imprensa, especialmente no interior, assim é. No futuro, as coisas tendem a mudar um pouco, porque hoje em dia, infelizmente, estamos vendo muitos jornalistas envergonhando esta pobre, sacrificada e nem sempre bem compreendida profissão.

Nosso amigo não se deu por satisfeito e continuou a afirmar que pelo medo e variedade de assuntos que focalizamos, tendo-se em conta a facilidade de expressão que empregamos, que deveríamos instituir um curso de jornalismo em Marília, mesmo que fôsse de caráter particular, para propiciar aos que alimentam entusiasmo pela arte, o ensejo de aprenderem também um pouco dessa profissão.

Pobre coitado, como está iludido! Querer ser jornalista, para passar necessidade. Jornalista honesto, principalmente do interior, se viver exclusivamente da profissão é capaz de passar fome. Proprietário de jornal, embora reconheça e deseje, não pode remunerar bem seus auxiliares. Jornalismo é um poço de sacrifício, “uma cachaça”, como dizemos em nossa gíria. A incompreensão é muita e a integridade física de quem escreve é uma só. Escrever é quase sempre indispor-se com alguém, porque o que agrada a 50 não deixa de desagradar a 10 ou 20. Toda gente gosta de ser elogiada, todo mundo gosta de “confetis”. Ninguém aprecia ser censurado, mesmo que em têrmos, mesmo que suave ou indiretamente, que logo vem com ameaças de “pegar na esquina”, processar, etc..

Em todo o caso, se êsse amigo tem vocação para o malabarismo de servir como nós, que somos chamados de jornalistas, que vá adiante, que tente. O curso de jornalismo, mesmo particular, apesar das argumentações e insinuações de nosso amigo, não poderá ser feito, pelo menos por nós. Por vários motivos, difíceis de explicar num só escrito. Em todo o caso, para que o mesmo não venha a pensar que ao procurar-nos dispensando-nos ilimitada confiança deixamos de ampará-lo moralmente, de encaminhá-lo pela estrada direita, recomendamos-lhe que procure outra pessoa. Existem muitos jornalistas em Marília mais capacitados do que nós e como professores ou detentores de cursos universitários, talvez possam corresponder aos anseios dessa pessoa.

O dr. Geraldino Furtado de Medeiros é velho jornalista, fundador da Associação Paulista de Imprensa. Dr. Coriolano de Carvalho, reverendo Álvaro Simões, dr. Laércio Barbalho e muitos outros, talvez estejam dispostos a “pegar o pião na unha”... procure-os.

Extraído do Correio de Marília de 29 de novembro de 1958

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