Uma reunião diferente (28 de agosto de 1958)

Se existem prazeres incompreensíveis para muita gente, como por exemplo a mesa de jogo, o “snooker”, a mesa do bar, o futebol, o cinema, etc., para nós, que militamos na imprensa, nada mais agradável do que uma “conversa ao pé do fogo” – como diria o sr. Adhemar de Barros.

Nossa redação, de pobrêza franciscana, com três escrivanias, duas máquinas de escrever, algumas cadeiras e um sofá estofado é a prova disso. Aqui a gente fica muitas horas, como o viciado num entorpecente, “batendo papo”, aspirando o ar impregnado de tintas, gasolina e papéis velhos. Isso sem contar-se o cheiro enjoativo da linotipo, quando o Sandoval cisma de limpar a máquina.

Coisa rara numa redação é reunirem-se todos os redatores.

Outro dia, entretanto, como tôda regra tem sua exceção, conseguiu reunir-se todo o pessoal do “Correio”, da parte redatorial. Todo, não. Faltou o Antônio Fernão de Magalhães. Mas lá se arregimentaram, em feliz coincidência, além do autor desta coluna, mais João Jorge, Anselmo, rev. Simões, Lauro Vargas, Barbosa e o “senador” Aristides, como “contrapêso”. Estava reunido o “Estado Maior”. Com tôdas as “armas”, inclusive a “artilharia pesada” que quase não funcional em nosso jornal, apesar de bem preparada, bem lubrificada.

Muita conversa, atrapalhando óra um, óra outro. João Jorge, contando alguma coisa de Amparo, Lauro Vargas preocupado com seus escritos filosóficos, o reverendo atarefado com os próximos comícios, o “senador” acendendo o charuto especial (presente do Badra) e o Anselmo atendendo (a)o telefone. Barbosa relendo prospectos do Clube de Cinema e o autor destas linhas aproveitando a “deixa” e rabiscando êste artiguete, pois quando o mesmo não sai o Anselmo fica feito uma “sarna”, telefonando para a gente e dando a entender que o cronista é pago para escrever, que o linotipista precisa (de) material para compor, que o revisor deve ler a prova e que o paginador não ganha para ficar olhando moscas. E observamos como é gostoso o ambiente da redação. Como as idéias divergem, como são defendidas, mas no final, como é desfraldada a bandeira desta Folha.

Falou-se sôbre a crise das batatas em Pompéia e Quintana, motivo que um deputado estadual explorou na Assembléia. Falou-se acêrca do último comício do Auro, das próximas eleições. Fizeram-se referências sôbre a política do Brasil, sôbre Brasília, sôbre o candidato mariliense, acêrca dos que trabalham para gente de fóra e muitas outras, que, trocadas em miudo, dariam uma edição completa e poderiam inclusive “por fogo na cidade”.

A “turma” continuava falando e nós escrevendo. Verdadeira “ursada”, bem sabemos, mas sem outro remédio. A conversa animada, o relógio da parede (mais velho do que “seu” Aristides), correndo sem parar e nada tínhamos feito para encher êste espaço (sem plágio e sem consentimento do João Jorge, que é mestre em encher... espaço). E saiu isto. Alguns momentos de palestra de nossa “turma”, “turma” que é uma família.

Agora precisamos parar. A lauda está no fim e o reverendo olha disfarçadamente, mas seu olhar significa apenas isto: “como é, vai demorar muito com essa máquina?”

Lauro ameaça levantar-se. João Jorge (apesar de “beduíno”), convida para o café. Vamos tirar o papél da máquina e colocar na pasta onde se lê: Para amanhã, primeira página”. Vamos tomar o café, porque não é sempre que o João Jorge vem aqui em Marília agora e porque não é sempre também que a gente consegue reunir-se tôda (a redação) e saborear o “chibéu” aí do japonês. Tchau...

Extraído do Correio de Marília de 28 de agosto de 1958

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