Os “pracinhas” tem razão (22 de julho de 1958)

Tudo transborda, após um limite.

Têm razão “pracinhas” da FEB, que óra clamam publicamente contra os descasos dos govêrnos, quando está provado que êstes os relegaram a um indiferente plano secundário, no reconhecimento comum, olvidando-se de que os ex-combatentes souberam cumprir o dever pátrio.

Muitos infelizes (o têrmo mais próprio, sem nenhum pejorativismo, seria “desgraçados”), valendo-se de preceitos legais, tentaram, inutilmente, apesar de amparados por leis vigente, obter empréstimos para aquisição de casa própria; não conseguiram. O Presidente da República solicita um crédito de 22 milhões de cruzeiros, para doar uma casa a cada um dos jogadores campeões do mundo, no valor de até um milhão.

Nenhum “pracinha”, até hoje, pediu, como esmola, uma casa para morar e abrigar sua família. Os ex-combatentes não pediram favor também; pediram apenas e unicamente, o cumprimento de leis. E quem deixou de cumprir as leis a respeito foram os próprios govêrnos; melhor dizendo, foram exatamente aquêles que as assinaram e as puseram em vigor!

Agora, os “pracinhas” encontram-se no direito de exigir – não pedir –, porque a Pátria exigiu dêles o sacrifício do tributo de sangue, sem nenhum outro pedido ou consulta. E tem razão. E devem ser atendidos.

Patriotismo não se demonstra com uma bola de futebol nos pés, mas sim com um fuzil nas mãos. Não defendemos a bandeira de uma agremiação esportiva, mas sim defendemos o sacrossanto Pavilhão Verde-Amarelo!

Os verdadeiros heróis são os que, embora cristãos, em holocausto à Pátria, mataram e destruiram os inimigos da liberdade e da democracia. Os verdadeiros heróis são os que passaram mais de seis meses sem dormir sob um teto, igual tempo sem tomar banho, três meses sem rapar a barba. Os reais heróis são os que viveram momentos de pânico, sentindo o medo, a responsabilidade, a insegurança. Vendo irmãos estraçalhados por obuzes inimigos. Sentido o amargor da morte subir pela garganta e a incerteza de mais um minuto de vida pela frente. Sentindo, no intervalo da explosão de duas granadas, com a fé em Deus e a esperança de regressar à Pátria, uma réstea de luz da própria existência. Os verdadeiros heróis são os que conheceram as carnificinas de Monte Prano, Valimona, Plano Della Rocca, Monte Castello, Montese, Soprassasso e outros pontos grandiosos da história da II Grande Guerra Mundial.

Os govêrnos da França, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, Canadá e outros países, conhecem melhor do que os nossos, os feitos dos brasileiros em combate. Pelo menos isso é o que deduzimos, ao verificarmos o descaso com que foram tratados os nossos “pracinhas”, em relação a outros povos.

No chão frio do Cemitério de Pistoia, repousam algumas centenas de heróis. Êstes não têm valor algum. Os que têm valor são os campeões de futebol. Não o valor real, pela conquista do título. O valor de empavonamento auferido pelos próprios govêrnos.

Vale mais hoje em dia, a satisfação de u’a mãe, um pai, uma espôsa ou um irmão de um craque campeão, do que as lágrimas de u’a mãe de um “pracinha” que dorme sob a terra da península italiana!

Tudo está de acôrdo com a mentalidade geral, com os govêrnos dos povos.

Se cada um dá o que tem, o Brasil dá futebol.

Até o carnaval e a cachaça ficaram “por baixo” desta vez. Os “pracinhas” terão um grande consôlo...

Extraído do Correio de Marília de 22 de julho de 1958

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