Os campeões e os “pracinhas” (11 de julho de 1958)

À primeira vista e para os menos avisados, o assunto de hoje poderá representar ciumeira, vulgarmente chamada de “dor de cotovelo”. Se analisarmos conscientemente e com isenção de quaisquer ânimos, verificaremos então que tal não acontece.

O Brasil acaba de sagrar-se campeão mundial de futebol. Com méritos indiscutíveis, diga-se de passagem. Em absoluto somos contrários às manifestações de simpatia e apreço que se tributaram aos jogadores do selecionado nacional de futebol. Apenas, no empavonamento publico e patenteado a todos os integrantes do “onze” brasileiro, estamos em desacordo com a flagrante injustiça óra irrefutavelmente existente, entre o reconhecimento tributado aos campeões do mundo e a gratidão dispensada oficialmente aos “pracinhas” da FEB.

No tocante às manifestações públicas, os “pracinhas” não têm queixas, porque foram recepcionados com carinho, abraços e até beijos. A queixa dêsses rapazes, cuja maioria apresenta hoje condições de desamparo, desajustamento social, alguns até psicopatas, outros neuróticos, reumaticos e mesmo tuberculosos, destina-se aos poderes públicos do país, que não souberam reconhecer o esforço de guerra de 25 mil homens, que, no campo de batalha, a única coisa que tinham a perder era a vida!

Se os leitores tivessem a oportunidade de conhecer a oportunidade a bagagem legislativa de “amparo” aos ex-combatentes, ficariam boquiabertos: existem no Brasil, mais de duas centenas de leis e decretos favorecendo em diversos sentidos, os “pracinhas” da FEB. Mas só no papel, bem entendido. Por outro lado, se os leitores pudessem conhecer, através das gavetas de diversas Secretarias de Estado, do Palácio do Catete, dos Campos Elíseos e de outros órgãos governamentais, o número de petições e pedidos (alguns até patéticos, pela humildade e simplicidade de insignificantes de empregos ou empréstimos), e, ao mesmo tempo, inteirarem-se de quantos, qual a percentagem dos acontecimentos, não acreditariam, temos a certeza, tamanho é o número de despachos de “aguarde a oportunidade”, “indeferido por falta de amparo legal” e “não há vaga”!

Os próprios benefícios previstos pelo artigo 30 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado, regulamentados por lei (vigente), apresentam dualidade de aplicação, pois discriminam distintamente as vantagens, beneficiando uns e prejudicando outros!

Existem incontáveis leis que favorecem o ingresso no funcionalismo público dos ex-“pracinhas”. Mas tôdas as ocasiões em que êstes têm batido às portas dos govêrnos, estas têm sido fechadas. Existem provas sobejas e irrefutáveis, fique ressaltado.

Estão em vigor também diplomas legais que concedem facilidades de empréstimos para aquisição de casa própria pelos “pracinhas”. Quase todos em Marília já recorreram a êsses benefícios (expressos em Lei, fique claro), apresentando as provas e documentos necessários, submetendo-se as regulamentações próprias. Quando foram atendidos? Perguntem os leitores à Secção local da Associação dos Ex-Combatentes.

E tais providências dos “pracinhas” não foram pedidos de carater gracioso e não foram formulados a bél prazer e por iniciativas próprias. Foram, em todos os casos, em obediência à própria Lei!

Óra, considerando-se apenas êsse fato (uma vez que existe um número infindável dêles, facilmente prováveis pelos interessados), verifica-se que os próprios govêrnos permitem dois pesos e duas medidas para determinadas leis; por outro lado, significa ainda que os próprios govêrnos, ao procederem uma série de benefícios e admissões públicas dos atuais campeões do mundo, estão êles próprios, “passando por cima” de leis em vigor!

O autor déstas linhas é “pracinha” também. Voluntário e integrado ao primeiro corpo de tropa oficialmente designado para integrar a FEB. E tem recebido uma série de solicitações, para dirigir um apêlo aos Srs. Presidente da República e Governador do Estado, no sentido de que meditem mais sobre o assunto desta crônica. Ao mesmo tempo, nos colocamos também, em nome dos ex-combatentes da FEB radicados em Marília, ao dispor dos possiveis esclarecimentos que nos venham a ser solicitados.

Não existem recalques e nem complexos. O que existe no caso é o sentimento pela ingratidão que ninguem terá base ou elementos para contestar. Ademais, o sofrimento de uma guerra, numa comparação grotesca, é como a dor do parto: todas as mulheres sabem senti-la mas nenhuma tem palavras suficientes para fazer com que o próximo possa interpreta-la.

Ha recalques nisso?

Extraído do Correio de Marília de 11 de julho de 1958

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