Ainda o “caso” dos “pracinhas” (24 de julho de 1958)

Ainda o “caso” dos “pracinhas” (24 de julho de 1958)

Temos recebido uma série de cartas de solidariedade de bondosa gente mariliense, acêrca do assunto que por várias vezes focalizamos e que diz respeito aos excessos cometidos pelos govêrnos e grande parte do próprio público, com alusão as manifestações de gratidão aos campeões de futebol do mundo.

Sabíamos, de antemão, que tal sucederia, porque ainda cremos na existência de gente sensata e desapaixonada, especialmente aquêles que são neutros na questão. Agradecemos aos amigos que nos tem estimulado a continuar com as “broncas” e agradecemos também as manifestações de apreço e solidariedade recebidas.

Um leitor fez-nos uma observação de que o assunto deveria ser defendido também por aquêles que não sendo “pracinhas”, não são também campeões mundiais de futebol. Informamos que a questão está sendo também advogada por diversas outras pessoas, inclusive por senadores, deputados federais e estaduais.

Não foram poucas as vozes que se levantaram nos parlamentos, pela imprensa e rádio, com referência ao assunto.

No Rio(,) cerca de dez mil ex-combatentes estão articulando uma passeata de protesto junto ao Palácio do Catete.

Um dia dêstes, quando determinada emissôra da Capital da República prestava u’a homenagem aos craques nacionais, um “pracinha” teve o suficiente topete de conduzir ao palco-auditório da mencionada estação de rádio, nada menos do que 19 viuvas de ex-combatentes desaparecidos em ação de guerra, para mostrar aos dirigentes da rádio e ao público presente, a miséria e a fome daquelas infelizes e seus filhos, como um cartão de identidade da ingratidão de um povo, para com os remanescentes daquêles que, no cumprimento do dever pátrio, não foram capazes de dar ao Brasil o sacrifício da bola nos pés, dando única e simplesmente as próprias vidas!

Será facil de imaginar, a justificada revolta íntima que deve ter dominado os íntimos daquelas mulheres e ainda mais fácil avaliar o conceito de brasilidade que habitará por certo nas mentes dos filhos dêsses “pracinhas” mortos, ante as circunstâncias do momento.

O leitor que medite um pouquinho sôbre êste particular e considere, apenas por hipótese, como um membro de sua família, uma viuva nessas condições.

O guardião Gilmar tomou posse de seu cargo de Chefe de Secção, padrão “T”, o que vale dizer, 14 mil cruzeiros mensais. Essa nomeação veio prejudicar velhos e antigos servidores, que aguardavam a oportunidade de uma vaga. Isso, por si só, é uma injustiça flagrante.

Existem por aí (inclusive em nossa cidade), “pracinhas” desajustados. No Rio, muitos dêles, mutilados e doentes, pedem esmolas, exibindo em quadros, diplomas e medalhas de guerra, ante o indiferentismo do amparo governamental e chocando frontalmente as impressões dos estrangeiros.

Quando o Sr. Adhemar de Barros era Governador do Estado, recebeu, certa ocasião, de um ex-combatente, duas medalhas conquistadas por ato de bravura, no campo de honra, como proposta de permuta por um emprego!

O sr. Jânio Quadros alegou que atendeu apêlo de Gilmar, simplesmente porque êle o solicitara. Atenção insôssa, pois antes do pedido de Gilmar existem outros milhares, formulados alguns pessoalmente ao sr. Governador e não atendidos.

A verdade indestrutível é que os “pracinhas” atualmente desempregados e ainda não integrados ao organismo da vida civil, por questões psico-analíticas, não são jovens, sadios e ricos como a maioria dos “cartazes” do futebol nacional. Inequânime é toda e qualquer medida que vise beneficiar os jogadores, em prejuizo da gratidão devida e não tributada oficialmente a milhares de “pracinhas”. Inequânime e injusta. Injusta e desumana.

Extraído do Correio de Marília de 24 de julho de 1958

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