O Preço do Selecionado Brasileiro (28 de maio de 1958)

Não, pelo amor de Deus, não nos considerem inimigos do futebol. Somos amigos até demais e já dedicamos mais de uma dezena de bons anos, acompanhando “pari passu” o desenrolar dêsse esporte. Quando crianças, também não fugimos à regra e disputamos as nossas “peladas” (com brigas e tudo).

Entretanto, o futebol profissional de nossos dias, deixou de há muito de ser aquêle esporte sadio – na concepção integral do vocábulo –, para tornar-se um motivo de pouca vergonha, de cambalachos, de negócios escusos. De modo geral.

Referimo-nos, não há muito, acêrca da concentração de Poços de Caldas e da ciumeira despertada em Araxá, onde o próprio prefeito estanciário “entrou na dança”, reivindicando para suas águas a delegação, oferecendo a estada e tudo o mais inteiramente gratuita. Dissemos ainda das volumosas cifras em cruzeiros, dispendidas pela Confederação Brasileira de Desportos, para fazer face às despesas do selecionado em sua fase preparatória. E, na ocasião, comentamos a possibilidade de um “fiasco” do “onze” canarinho, sem razões aparentes de ser.

Cremos que o Brasil, se não é o único, é um dos primeiros a possuir profissionalismo de futebol, onde os “craques” não fazem outra coisa. Os uruguaios, que nos “roubaram” (assim disseram os cronistas na ocasião) a “Taça Jules Rimet” em 1950, são uma prova disso. Lá vimos sapateiros, alfaiates, pedreiros, e advogados lutando pelas cores do país oriental. Homens de dupla personalidade (não no sentido pejorativo): esportistas dentro do gramado e pessoas úteis dentro de suas funções ou mistéres fóra do rampo.

No Brasil, não. Ser futebolista, significa, em tése, não fazer mais nada. Quer se ganhe muito ou pouco, o profissional, de módo geral, vive só com o “cartaz” de esportista. Temos visto e conhecemos casos em que até mulheres e filhos são esquecidos!

Isso precisa acabar entre nós. O chamado profissionalismo tem que ser um “meio têrmo” e nunca uma válvula de vagabundices ou meios fáceis de enriquecimento em poucos anos. Poderíamos, no caso, permitir o “enriquecimento fácil” entre aqueles que ostentando qualidades, ganhassem tambem “por fóra” em trabalho honrado, dignificante. Infelizmente êsse número é pequeno!

Mas, voltemos ao assunto principal dêsse escrito, falemos do preço do selecionado brasileiro de futeból que já se encontra na Itália e que representará o Brasil na “VI Cópa do Mundo.” Imaginam os leitores que não acompanham de pérto o futeból, quanto custará a referida seleção? Pois diremos: 8 milhões e meio de cruzeiros. Oito mil e quinhentos contos de réis!

Se o Brasil conquistar o cétro do certame, sagrando-se campeão, ainda assim, será discutivel (o) de mais de oito milhões pelo mesmo. E se não conseguir “um lugar ao sól”, qual a desculpa viável e aceitável para o fato? O sentido intrínsico da desportividade? A defesa do lema “Mens Sana In Corpore Sano”? A cultuação do áto que desenvolve o corpo e a espaira a mente? Não sabemos bem. Sinceramente, não temos a menor idéia.

Antes do embarque, o selecionado já consumiu três milhões de cruzeiros!

Cada jogador ganhará durante o tempo em que estiver integrando a seleção, u’a média de 40 mil cruzeiros mensais! Mais do que muitos magistrados e Secretários de Estado. Mais de que muitos Governadores!

Póde parecer recalques, despeito ou inveja êste escrito, mas não é. Achamos errada a fórmula adotada dos prêmios, ordenados, “bichos” etc. em vóga no Brasil. O privilégio de ser escolhido e ter a “chance” de “representar o país” e viajar para o exterior, já paga muito bem outras vantagens. Não que o futebolista vá “na faixa” para um país estranho, deixando sua família e (alguns) seus negócios, mas assim, tambem é demais!

Somos favoráveis ao esporte. Gostamos do esporte e já não mais o praticamos, porque estamos “passados” para tal. Mas o esporte (futeból profissional) no Brasil já é um comércio, uma bandalheira, uma senvergonhice sem nome.

Oito milhões e quinhentos mil cruzeiros para um selecionado vi(a)jar ao Velho Mundo e que só Deus sabe se fará “bonito” ou não. Enquanto isso, no Brasil, vivemos morrendo de fóme (inclusive famílias de muitos famosos jogadores), faltando leite, pão, carne, arroz (não pela ausência no mercado, mas pela ostentação absurda dos preços que enriquecem os intermediários desalmados), morrem de fome os nordestinos e de inanição os doentes!

Nós somos favoráveis ao esporte e gostamos imensamente do futeból. Acontece que o futeból de hoje em dia é dinheiro, “compra” de juizes, negócios com a Federação e até política. Dá nojo, francamente... Querem um exemplo? MAC.

Extraído do Correio de Marília de 28 de maio de 1958

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