“Muro de lamentações” (7 de fevereiro de 1958)

Positivamente, as nossas modestas crônicas nos colocam às vezes, em situações de manifestação diréta de desagrado por parte de algumas pessôas, ao passo que, outras ocasiões, fazem chegar até nossa redação, incontáveis referências elogiosas.

Felizmente, êste último número tem sido bem maior.

No início de nossa vida de rabiscadores da imprensa interiorana, sofremos muitos dissabores e pegamos “muito rabo de foguete”. Certas ocasiões, quase desistimos de chatear os leitores, paralizando nossos maçantes escritos. Depois, passados os momentos de raiva e entusiasmados por um jornalista linense (hoje falecido), prosseguimos na caminhada. Daquele tempo até hoje decorreram já cerca de três lustros (nota dos editores: “período de cinco anos; quinquênio”, segundo verbete publicado na página 800 do Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras em 2008). Abrindo um parêntesis, gostamos de referir a “verve” de um cidadão local, que, outro dia, perguntado-nos quanto tempo militavamos em jornal e sabendo a resposta, exclamou: “puxa! e ainda você não aprendeu a escrever?”

As referências acima servem-nos à guisa de “preâmbulo”, para analise de um “bate papo” que mantivemos ainda ontem, com um ilustre e ilustrado professor local, num bar da cidade. Dizia-nos êsse mestre, sempre haver tido incontida simpatia e vocação jornalística, sem jamais ter-se lançado à experiências dêsse jaez. Estranhamos a afirmativa, porque o homem é detentos da principal condição que entendemos necessária para um bom jornalista – o curso de filosófica –, qualidade que nós, infelizmente, não possuimos.

Das variações naturais de conversas expontâneas, surgidas como surgem todos os colóquios casuais, passou o educador a enumerar diversos de nossos modestos escritos, elogiando-nos “de corpo presente”, e censurando-nos diversos erros de ortografia e gramática. Em absoluto não nos agastamos com a sinceridade dêsse professor e vimo-lo acordar conosco, quando dissemos que o escrever para um jornal é bastante mais dificil do que à primeira vista póssa parecer. Além do mais, um escrito certo, póde, ocasionalmente, apresentar um erro involuntário, sem culpa do autor. Isso acontece à miude.

De um outro assunto, analisou nosso amigo a função da imprensa, a sua representação e significado na defesa dos povos, especialmente dentro do regime democrático, terminando por proferir uma verdadeiro “defesa de tese” acêrca da liberdade de imprensa e liberalidade de imprensa. O homem demonstrou extraordinária facilidade de apreciação e deu sobejas provas de sua afirmativa, em ser admirador e ter vocação para jornalista.

De toda aquela agradável palestra em que o homem confessou não conhecer “in loco” e demoradamente nenhuma operação completa da feitura de um jornal – que nos surpreendeu, pela maneira fácil e suscinta com que referiu-se à imprensa – muito nos agradou as considerações da interpretação popular, em tése, acêrca do papel da imprensa livre.

Concordamos com a especificação do professor, de que a imprensa é um “muro de lamentações”. Já tivemos tempo suficiente, para nos convencermos dêsse pormenor. Quasi diariamente recebemos “sugestões” para escrever. Muitas dessas “sugestões” escapam completamente ao sentido réto da colaboração de carater geral, porque traduzem, antes de tudo, defesa de interesses p(e)ssoais. É claro que um órgão de imprensa é advogado legitimo do próprio povo. Mas nem por isso pode ser confundido como defensor de causas próprias de uma só pessoa, quando essa pessoa dispõe de outros meios para resolver uma situação. Por exemplo, não é justo que, unicamente porque um comerciante desagradou determinado cidadão, um órgão de imprensa, exclusivamente para ser agradável à uma solicitação, “lasque o pau” no comerciante que contraria um enquanto serve milhares. Isto é apenas uma comparação, porque, vez por outra recebemos “sugestões” das mais absurdas possíveis. Outro dia mesmo – parece incrível –, uma pessoa nos procurou, para que reclamassemos pelo jornal, que determinado cavalheiro briga com sua esposa todos os dias! Por aí podem os leitores perceber a variada e curiosa série de “sugestões” que chegam às redações de jornais.

Entretanto, quando a sugestão é verdadeiramente sugestão e o motivo apontado é de interesse público, acolhemos e agradecemos a lembrança, sendo o assunto imediatamente focalizado nas páginas dêste órgão. E, nêsse particular, todas as Folhas, especialmente as interioranas, contam com um número apreciável de colaboradores. São as pessoas que desempenham papel daquilo que poderiamos chamar de “paqueiros” da imprensa. Conhecendo um fato passivel de reclamação, “dão lógo o serviço”. Prestam, portanto, cooperação inestimável aos jornais.

Só que entre uma e outra qualidade de sugestões, exis(te) uma grande diferença.

Realmente, professor, o jornal é tido como um “muro de lamentações”. Erradamente. Ele é um advogado e defensor dos direitos do povo que serve.

Extraído do Correio de Marília de 7 de fevereiro de 1958

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