Cornélio Pires (25 de fevereiro de 1958)

Perdeu o folclore nacional uma das suas mais legitimas expressões, com o desaparecimento de Cornélio Pires. Poeta, humorista e cantor, foi o pioneiro das pesquisas folclóricas do nosso país, difundindo a vida pitoresca e as passagens cômicas do caboclo interiorano.

Conhecemos Cornélio Pires e travamos contacto pela primeira vez com o grande “poeta caipira”, por volta de 1939 e de lá para cá, tornamo-nos fãs de seus trabalhos de apreciação das coisas de nosso caboclo brasileiro, especialmente o “caiçara” paulista, o “arigó”.

O que mais se admirou em Cornélio Pires, foi a honestidade de sua poesia ou prosa, a “verve” sadia de seu humorismo real, agradável. Manteve sempre um principio de dignidade dos mais encomiosos, ao abordar a vida do povo interiorano. Soube e foi capaz de explorar o meio ambiente do matuto paulista, com uma sobriedade elogiável, sem deturpar fatos e sem ridicularizar o caboclo. Contou sua vida tal qual como é, sem pejorativismos, sem exageros, sem pornografias. Jamais atribuiu expressões ou fatos irreais ao caboclo, como fazem muitos pretensos “poetas caipira”, que apresentam o caboclo do sertão como imbecil, pornográfico e ignorante.

Nasceu Cornélio Pires na cidade de Tietê, a 13 de julho de 1884, desaparecendo aos 73 anos. Prestou serviços inestimáveis à literatura original do povo interiorano. Sua bibliografia consta das seguintes magníficas obras: “Tá no bocó”, “Musa caipira”, “Versos”, “O Monturo”, “Cenas e Paisagens”, “Quem conta um conto...”, “Patacoadas”, “Tragédia Cabocla”, “Conversas ao pé do fogo”, “Estrambólicas aventuras de Nhô Joaquim Bentinho”, “Meu Samburá”, “Mixórdia”, “Continuação das aventuras de Joaquim Bentinho”, “Seleta caipira”, “Tarrafadas”, “Sambas e Cateretês”, “Chorando e Rindo”, “Só rindo”, “Almanaque do Sací”, “Onde, ó Morte?”, “Coisas d’Outro Mundo” e “Enciclopédia de anedotas e curiosidades”.

Em 1910 iniciou Cornélio Pires sua carreira invejável. Versejando com simplicidade, compondo poesias e poemas, deixando transparecer a identidade irrefutável de sua musa cabocla.

Os episódios pitorescos do interior foram trazidos à público, escritos ou falados, pela extraordinária facilidade de Cornélio Pires, da maneira mais franca e gostosa possível. Foi insuperável em seu gênero. Foi absoluto, “primus inter pares”.

Cerca de 30 anos passados, principiou Cornélio Pires a gravar discos com motivos folclóricos, que obtiveram a mais franca aceitação pública, pelo sentido moral como foram divulgados. Um sabor especial de sinceridade, uma apreciação normal e bonita, amena, franca, impregnou sempre tôdas as suas apreciações em torno do caboclo paulista. Jamais depreciou o caipira que êle amou com desvelo e consideração. Jamais resvalou da apreciação dos atos do nosso caboclo, para o lado do irreal, imaginário, mentiroso.

Agradou milhares e milhares de expectadores, nas mais variadas platéias e nos mais diversos pontos do território nacional, com suas insuperáveis demonstrações de cateretês, fandangos, cururus, cana verde, roda, morena, passa-pachola, samba caipira, mandado samba-lenço, etc..

Realizou conferências das mais apreciáveis no interior, sempre pondo em relevo a poesia cabocla, pura e sadia, o espírito bondoso do caipira nacional, sua vida, suas ações, suas “tiradas”.

Cornélio Pires, o patrono dos violeiros do Brasil, foi o mais completo e mais perfeito poeta sertanejo. Foi, sem dúvida, uma perda irreparável para a literatura caipira, o desaparecimento daquêle que meio século dedicou-se a divulgar as coisas da gente interiorana, a vida real do caboclo do sertão.

Extraído do Correio de Marília de 25 de fevereiro de 1958

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O jogo do bicho (26 de outubro de 1974)

O Climático Hotel (18 de janeiro de 1957)

“Sete Dedos”, o Evangelizador (8 de agosto de 1958)